Espremido entre a crise da geopolítica internacional, a crise econômica que segue se arrastando sem muitas perspectivas, e o processo eleitoral brasileiro, o ano de 2022 deve passar voando.
Desde a virada do ano só se fala nas tensões crescentes entre OTAN, liderada pelos EUA e com seus importantes parceiros europeus, e a Rússia, sendo que a tensão agora tem localização no mapa: a Ucrânia. A posição russa é clara: entende como ameaça à sua integridade territorial não apenas a entrada da Ucrânia na OTAN, como também qualquer parceria da Ucrânia com a OTAN, mesmo não envolvendo uma integração mais orgânica, mas que possa permitir o trânsito e/ou instalação de armas dos países da OTAN (em especial dos EUA) em território ucraniano. Os russos dizem já ter tolerado muito desde o fim da antiga URSS e do então “bloco socialista” na Europa Oriental, com a entrada de várias de suas antigas repúblicas e vários dos países do antigo bloco na OTAN, e que isso já representa suficiente ameaça ao território russo.
Os países da OTAN tentam focar em um processo de negociação, enquanto os russos parecem de antemão focados em um resultado da negociação que atenda os seus interesses. Segue a tensão, e seguirá por um bom tempo, agravada pelo fato de que a China tomou posição na disputa ao lado da Rússia, o que já vinha acontecendo há algum tempo e que agora se explicitou mais uma vez.
Mas não é a única tensão no cenário, apenas nos últimos meses tomou a frente de outra que já vinha escalando: a disputa entre China e EUA pelo livre tráfego no Mar do Sul da China, região que, através de acordos formais e/ou informais com países como Japão, Filipinas, Indonésia e outros, os EUA tentam manter sob seu controle. Também as tensões entre EUA e Coreia do Norte. Ou as disputas no Cazaquistão. Colômbia e Venezuela, por aqui. Ou os golpes militares que começam a frequentar cada vez mais o noticiário sobre África nos jornais. Enfim, os chamados “fios desencapados” aparecem cada vez mais no cenário, e daí a algum curto circuito, o caminho é pequeno.
A crise econômica internacional é outro ponto importante que paira, e deve deixar os mercados financeiros voláteis e os “investimentos firmes”, produtivos, incertos. O fato aqui é que a crise de 2007-2008 explicitou que os mercados financeiros haviam se tornados adictos a crédito. A saída para contornar a crise, desde então, foi fundamentalmente levar adiante uma forte expansão monetária, batizada de “quantitative easing”. Essa expansão monetária garantiu que os mercados financeiros não entrassem em “crise de abstinência”, mas seguiu inflando várias bolhas especulativas. O fato é que agora, com a subida da inflação mundial em um quadro de retomada da demanda por algumas commodities (como petróleo) e as descontinuidades das cadeias globais de produção, causadas pela pandemia da Covid (mas que podem ser agravadas pelas tensões geopolíticas citadas anteriormente), o banco central dos EUA, o Federal Reserve, anunciou que retomará um aumento progressivo das taxas de juros nos EUA, o que deve começar a encurtar a liquidez. Como as várias “bolhas” especulativas vão reagir a esse movimento, é o que vamos ver daqui para frente, mas existe muito temor de que o processo não seja um “pouso suave”, e que haja turbulência nos mercados financeiros e outros. Especialmente no caso dos EUA, porque a tentativa de redirecionar parte dos investimentos para o setor produtivo via políticas públicas, que é o que estava sinalizado no trilionário pacote de investimentos apresentado ao Congresso pelo governo Biden, encontra dificuldades para sua aprovação. E, deve ser também apontado, no caso do encurtamento da liquidez, isso deve atingir também fortemente os chamados “mercados emergentes”, como está rotulado o Brasil, assim como outros países, podendo provocar forte volatilidade cambial, agravando as dificuldades econômicas, como inflação e adiamento de investimentos.
Finalmente, no caso brasileiro, temos um ano eleitoral particularmente relevante, pois as rupturas políticas e institucionais de meados da década passada acabaram nos levando a um governo extremista na retórica da direita, especialmente na pauta de costumes e segurança, mas absolutamente inepto e incompetente em pautas que acabaram exigindo ação concreta, como saúde, educação e economia. Ou seja, a herança para o futuro será muito complicada, mas ainda teremos o último ano desse governo, marcado por sua preocupação em não se desmoralizar no processo eleitoral em curso.
Isso ocorre em um quadro em que, desde o final do ano passado, o principal candidato em defesa da trajetória pré-rupturas encontra-se como favorito a uma vitória no primeiro turno, e forças que apoiaram as rupturas de então tentam agora achar “o caminho do meio”, como alguns gostam de sinalizar, mas que é muito difícil de ser encontrado enquanto o atual presidente, candidato à reeleição, continuar a não cair do que parece ser o seu patamar, em torno de 20%. Teremos então uma campanha radicalizada e rápida, que tomará toda a mídia a partir do pós-Carnaval, pois o que arrefecia esse movimento nas eleições presidenciais em anos anteriores, desde 1994, a Copa do Mundo, esse ano passou de junho/julho para novembro/dezembro, em função do calor do Oriente Médio, com a Copa prevista para o Qatar. O calor vai ficar por aqui, com esse processo eleitoral.
Fevereiro de 2022 marca no calendário chinês o início do ano do Tigre de Água. Os que quiserem aproveitar o período, sejam rápidos!
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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