Momentos como o atual, de virada de ano, são próprios para fazer balanços do desempenho passado e tentar projetar o futuro. Tanto mais se, simultaneamente, há também uma troca de governo, em especial no caso de a mudança implicar uma forma bem diferente de ver a sociedade, a economia e a orientação da política econômica. É este o caso na passagem de 2022 para 2023. Ocorre que está muito difícil projetar o futuro do Brasil, mesmo num intervalo de tempo curto, porque tanto o ambiente externo como o doméstico vivem uma situação de troca de parâmetros e de grande incerteza. Alguém pode lembrar que incerteza é sempre o tema de fundo da Economia. É verdade, mas em alguns momentos a situação parece se agravar muito.

Comecemos pelo cenário externo, onde há uma grande névoa sobre o ritmo de crescimento que prevalecerá. Nos últimos dias, a China deu sinais de estar saindo de um período longo de restrições fortes de circulação por conta da Covid. Se isto se confirmar, a economia chinesa voltará a crescer a taxas maiores do que no período recente, e o mercado internacional de commodities sofrerá um reaquecimento, com repercussões sobre as taxas de câmbio, os preços e os valores das exportações e importações dos diversos países (produtores e consumidores) destas mercadorias. Para o Brasil, isto funcionaria como estímulo de crescimento via exportações, mas cuidado, haveria uma inevitável consequência sobre a inflação. O saldo final destas duas forças dependeria muito do comportamento da taxa de câmbio, que, por sua vez, se move em função de muitas outras variáveis que não dominamos ou não conseguimos ajustar no curto prazo. Incerteza.

E se a China, diante de problemas sanitários graves, voltar atrás na sua política de distensão? Tudo que se pensou anteriormente deve ser revisto. As primeiras notícias sobre o início do processo de abertura chinesa já dão conta de problemas importantes que começam a aparecer num sistema de saúde sabidamente insuficiente para suportar a pressão. Não foi por outro motivo que o Governo chinês ainda estava tentando segurar o processo de abertura.

Trabalhemos com a hipótese da retomada, elevação de preços de commodities e aumento da inflação mundial. Isso pode levar à manutenção por mais tempo do ciclo de alta dos juros internacionais, sob a liderança dos EUA, o que traria um efeito contrário, de desestimular a atividade mundo afora. Especificamente em função das condições internas dos EUA, não se sabe quão longo será o seu ciclo de juros altos. Depois de um vacilo inicial, há cerca de um ano, o Banco Central americano resolveu firmar posição sobre a necessidade de combater a inflação com juros. Eles estão em meio ao seu processo de alta, contudo há muitas pressões para começar logo o ciclo de alívio, até porque o período de alta tem pego muitas empresas e famílias endividadas, o que pode desencadear uma crise financeira.

Existe ainda o complicador da invasão da Ucrânia pela Rússia, o que desencadeou alta de preços internacionais de commodities agrícolas e energéticas e mais desorganização de cadeias produtivas – além do que já vinha ocorrendo com a pandemia. Não se tem a menor ideia de quanto tempo o conflito ainda pode durar e quais suas consequências econômicas. Mais incerteza.

No Brasil, já são nítidos os sinais de desaceleração do PIB, tal como se projetava desde o primeiro semestre deste ano. Serviços, que era o setor de melhor desempenho, mostra uma inevitável perda de fôlego depois de um pique que começou ainda em 2020. Some-se a isso o fato de que cada vez mais sobressaem os efeitos defasados do aperto dos juros, processo iniciado em março de 2021, quando a taxa básica estava em somente 2% ao ano. Lembrando, hoje estamos com a Selic a 13,75% ao ano e todos concordam que esta alta expressiva ainda vai gerar muitos efeitos negativos. Pois bem, era exatamente isto que direção do Banco Central queria.

Contudo, a tradição dos governos do PT é de estimular o consumo, via melhoria da distribuição de renda e aumento do crédito, e tentar fazer o mesmo com os investimentos. A orientação atual da política econômica deve mudar em prol da expansão do PIB, a despeito do debate acirrado deste momento sobre o controle do gasto público.

Por outro lado, o capital produtivo internacional emite sinais de que fará novas apostas no crescimento da economia brasileira, tanto porque acredita em um ambiente de negócios mais favorável – com diminuição do clima de tensão, com novos marcos regulatórios para infraestrutura e com uma reforma tributária –, como porque crê na expansão do mercado consumidor. Além disso, a opinião geral dos analistas do mercado financeiro é de que os ativos brasileiros estão relativamente baratos e não há neste momento opções muito melhores mundo afora para se alocar recursos. Outro aspecto positivo é o fim do período de desmanche institucional e a reconstituição da normalidade nas relações com os demais países, inclusive abrindo as portas para investimentos pesados nas áreas ambiental e de energias renováveis.

Enfim, é difícil prever o que acontecerá na economia brasileira no novo período Lula. O ano de 2023 já está praticamente comprometido com um cenário internacional adverso e com rearranjos domésticos em geral, uma espécie de “colocar ordem na casa”, para tentar organizar o crescimento a seguir. Mas até aí nada de novo, a expansão fraca de 2023 já estava prevista, mesmo antes da vitória de Lula, pelos artificialismos que sustentaram a atividade em 2022 na tentativa de Bolsonaro de se reeleger. A questão é o quanto usaremos bem 2023 para reorganizar o ambiente doméstico e o quanto o cenário internacional vai nos ajudar ou nos impor ônus.

Por fim, observadores atentos têm notado alguns movimentos surpreendentes nos números recentes da economia brasileira, como por exemplo, uma taxa de investimento (investimento/PIB) mais alta do que se esperava para as características do momento. Vale o mesmo para a redução da taxa de desocupação, ainda que ela se dê simultaneamente a uma grande informalidade, elevada taxa de subocupação por insuficiência de horas e grande número de pessoas caracterizadas como força de trabalho potencial, as que gostariam de trabalhar, mas sequer estão à procura de ocupação por vários motivos. Suspeita-se que a explicação para estas surpresas esteja nas mudanças impostas pelas reformas de Temer – previdenciária e trabalhista –, e nas adaptações forçadas das empresas às novas exigências trazidas pela pandemia.

Por enquanto, há necessidade de mais tempo para verificar tais hipóteses, mas elas bem podem ter mudado alguns parâmetros de funcionamento da economia, silenciosamente, para o bem e para o mal, alterando todos os modelos de previsão com que se trabalhava até há pouco. Novamente, mais incerteza. Há uma frase famosa que diz que a taxa de câmbio foi inventada para humilhar os economistas, porque todos erram suas projeções. Mas não é o dólar quem humilha, é a tentativa de adivinhar o futuro das variáveis, especialmente em economias instáveis, carentes de organização e em pleno processo de mudança. (Publicado no Sul 21 em 18/12/2022)

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Ilustração: Mihai Cauli

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