Os resultados divulgados pelo IBGE a respeito do desempenho das atividades econômicas em 2021 parecem confirmar as expectativas de boa parte dos economistas. Afinal, era mesmo de se esperar que, depois da recessão experimentada durante o ano da pandemia, algum tipo de recuperação aconteceria por essas terras. O Produto Interno Bruto (PIB) oficial para o Brasil no ano passado registrou a marca de R$ 8,7 trilhões, representando um crescimento de 4,6% em relação ao ano anterior.
Ora, face aos -3,9% relativos ao ocorrido com a nossa economia em 2020, passa a impressão de que tal recuperação permitiria zerar as perdas verificadas durante a recessão que acompanhou a pandemia da Covid-19. E agora tem início a famosa disputa de narrativas em torno da verdadeira avaliação dos números frios que buscam oferecer um retrato a respeito da verdadeira situação que atravessa nosso País.
Vários analistas já começaram a pontuar a aparente contradição entre os dados divulgados pelas instituições governamentais responsáveis pela apuração das Contas Nacionais e a realidade objetiva da vida da grande maioria da população brasileira. Assim, mais do que nunca vale recuperar a famosa frase atribuída ao general Emílio Garrastazu Médici, que se tornou presidente do Brasil durante a ditadura militar e governou entre 1969 e 1974. Entrou para os anais não oficiais de nossa História a declaração de que “a economia vai bem, mas o povo vai mal”.
“A economia vai bem, mas o povo vai mal” – do general Médici ao capitão Bolsonaro
Estávamos atravessando o período mais cruel e sangrento do regime ditatorial, com os assassinatos dos opositores, com a prática da tortura generalizada contra quem se atrevesse a denunciar o sistema e o exílio para quem conseguisse escapar do regime. Porém, esse foi também o período em que os indicadores do IBGE registraram os melhores índices de crescimento de nosso Produto Interno. Entre 1968 e 1973, tivemos taxas de crescimento anual do PIB superiores a 10%, com uma média de 11,5% para o quinquênio. Na tentativa de se legitimar interna e externamente, o governo dos generais apresentava o suposto “milagre econômico” para uma imprensa nacional amordaçada e censurada, bem como para as redes de comunicação do resto do mundo.
Antonio Delfim Netto era o todo-poderoso ministro da Fazenda e comandava a área econômica do governo, marcado pelo arrocho aos salários, pelo estímulo à concentração de renda, pelo aumento da dívida externa e pelo crescimento inédito do PIB. Esse era o contexto da frase do general, talvez acometido de algum sincericídio não controlado. Datam desse período, aliás, as denúncias de manipulação dos índices de inflação patrocinadas pelo ministro, com o intuito de evitar que os rendimentos dos trabalhadores fossem corrigidos de acordo com a realidade da elevação dos preços. Além disso, para enfrentar a narrativa oposicionista a respeito do aumento da concentração de renda no período, Delfim saiu-se com a pérola de que seria preciso primeiro esperar o “bolo crescer para depois reparti-lo”. Uma típica desculpa elitista para perpetuar o modelo excludente.
Em meio ao debate sucessório atual, é muito provável que Bolsonaro bombardeie os meios de comunicação com a tentativa de tecer loas ao desempenho de seu governo na esfera da economia em 2021. Afinal, oferecer um PIB positivo de 4,6% é um feito que não se via desde 2010, uma vez que a taxa de crescimento anual desde então foi sempre inferior a esse número. Aliás, a agência oficial de notícias já deu a linha a esse respeito, com uma manchete tão desonesta quanto mentirosa: “PIB registra recorde na série histórica com crescimento 4,6% em 2021”. Ora, em todos os anos (com exceção dos períodos de recessão) o PIB nominal tende mesmo a crescer. Assim, esse adjetivo “recorde” não se aplica sem alguma explicação. Aliás, muito pelo contrário.
Brasil cada vez pior na foto e no filme
Em uma comparação internacional elaborada pela agência Austin, por exemplo, o Produto proporcionado por Guedes & Cia Ltda deixa muito a desejar. Em 2021, a economia brasileira ocupou a 21ª posição em termos de crescimento anual, uma vez que os nossos 4,6% ficaram bem abaixo da média mundial de 5,7%. Isso pode nos levar à interpretação de que a pandemia da Covid-19 afetou mesmo o desempenho econômico da maioria dos países, mas que a recuperação verificada por aqui ficou abaixo daquilo que foi observado pelo mundo afora. Além disso, a mesma comparação relativamente à magnitude do Produto (e não ao seu crescimento anual) piora ainda mais o quadro. O Brasil deve ter encerrado o ano passado ocupando a 13ª posição, quando já chegou a estar na 6ª posição em 2011. Um retrocesso que vem provocando consequências muito graves para o quadro atual, mas principalmente para sua capacidade de recuperação no futuro.
No entanto, as informações apenas a respeito do PIB são insuficientes para compor um quadro mais efetivo a respeito da realidade econômica e social do País. Afinal, como podem ser avaliados esses 4,6% com o quadro de desemprego tão elevado, apresentando uma média superior a 13 milhões de pessoas desde 2017? Ou ainda, como podemos interpretar essa retomada de crescimento positivo do PIB com o acirramento do fenômeno da desindustrialização e da queda dos rendimentos da maioria da população? Os economistas comprometidos com a verdade dos fatos têm apontado o oportunismo dos que procuram desesperadamente alguma notícia que possa ser considerada “boa”, que tenha vindo da parte desse governo promotor da destruição e da tragédia. Um artigo de David Deccache, por exemplo, detalha com rigor essas informações preciosas para que não nos deixemos levar pela informação deturpada e falaciosa do governo Bolsonaro e dos grandes meios de comunicação.
A disputa eleitoral está aberta e tende a se radicalizar ao longo dos poucos meses que nos separam de outubro. O candidato à reeleição ao Palácio do Planalto e seus núcleos político e familiar mais próximos parecem ter entrado em modo desespero. As insistentes pesquisas de opinião, dando a vitória de Lula em todos os cenários, deve elevar a temperatura da disputa e não se deve menosprezar a capacidade de reação do presidente. Ele conserva para si ainda a poderosa capacidade da caneta para nomeações em cargos e liberações de verbas orçamentárias. A recente e inédita indicação do presidente do Clube de Regatas Flamengo à Presidência do Conselho da Petrobras oferece bem a dimensão do movimento em curso. O inusitado lançamento de um programa dirigido a crédito para as mulheres empreendedoras – “Brasil prá elas” – no dia 8 de março, também faz parte da estratégia eleitoral visando à reeleição.
Botar a campanha nas ruas e mobilizar a população
Caso as oposições não se preocupem em levar o nível da disputa política e eleitoral para os locais de trabalho, para os bairros, para as escolas e para o campo, as inciativas de Bolsonaro podem provocar alterações nos humores a serem captados nas próximas enquetes. Deveria ser mais do que sabido que o sujeito não tem compromisso algum com a ética ou com a verdade, sendo que sua única preocupação é vencer o pleito ou evitar a vitória da oposição. Apesar de ser necessária a chamada “articulação por cima” com as lideranças da política tradicional e conservadora, a garantia da vitória ou da posse só será efetiva com a mobilização da maioria da população em torno do projeto de mudança.
Bolsonaro já deixou claro a Paulo Guedes que o respeito à austeridade fiscal que o banqueiro tanto preza deve ser abandonado para liberar os recursos que possam reverter o quadro eleitoral que lhe é desfavorável no momento. Além disso, o chefe já antecipou o abandono da política de preços da Petrobras, que foi colocada em vigência pela dupla Temer & Meirelles e mantida desde então. Atordoado pelas indicações das pesquisas, Bolsonaro percebeu o dano eleitoral provocado pelo criminoso atrelamento dos preços dos derivados de petróleo praticados nos nossos postos de gasolina à evolução dos preços do óleo bruto no mercado internacional. O Planalto prepara as medidas para um retorno à prática de “preços administrados” da Petrobras, que tantas críticas sofria nos governos Lula e Dilma. Juntamente com a recuperação maquiada do tão bombardeado Bolsa Família, sob o rótulo de Auxílio Brasil, esse conjunto de medidas pretende turbinar a candidatura de Bolsonaro a permanecer mais quatro anos no comando da República.
É nesse contexto mais amplo que deve ser compreendida a divulgação do PIB de 2021. A estratégia dos responsáveis pela campanha de Lula de “jogar parado”, torcendo para que o tempo da política seja mais acelerado que o da economia, apresenta o sério risco de não apresentar instrumentos para superar o imobilismo. É fundamental ter a consciência de que as eleições não estão ganhas por antecipação e que as possibilidades de reversão do atual quadro desfavorável ao candidato oficial estão em pleno modo de implementação.
As oposições já perderam espaço no ano passado, quando Bolsonaro lançou a proposta de prorrogar o auxílio emergencial e as lideranças contrárias ao governo se recusaram a discutir a matéria, alegando ser uma manobra eleitoral do governo. No momento atual, apenas negar os números apresentados pelo PIB ou denunciar a tentativa de mudar a política de preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha são atitudes típicas de quem quer fugir da responsabilidade do debate, que não colaboram em nada para o intento de vencer as eleições.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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