
Muito antes de existirem as cidades, antes mesmo de existir a Terra, o Diabo criou Paraíso e lá jogou espíritos desafortunados, para que interagissem e criassem, com um único propósito: espantar o tédio de sua eternidade.
Paraíso, apesar do nome, não é O Paraíso. É uma região agradável, de bonitas cores e até alguma abundância. Quem vê, até acha que é O Paraíso. Isto porque o infernal de Paraíso não é a sua terra, mas as almas jogadas lá. Escolhidas uma a uma pelo próprio Diabo entre as mais mesquinhas, invejosas, ambiciosas e traiçoeiras disponíveis na perdição. E umas poucas, de pouca maldade, apenas para tornar as coisas mais interessantes.
Em poucos séculos, construíram uma cidade, o que surpreendeu o Diabo. Mais pelo tempo que pelo feito. Esperava que com tantos crápulas a cooperação fosse impossível. Mas os demônios deram um jeito. O seu jeito. Ameaçando, escravizando, violentando, ambicionando. E lhe deram, ironicamente, o nome de Paraíso. Paraíso do Paraíso, que não é O Paraíso.
O calor é maçante. Afinal, Paraíso fica no Inferno. E o trabalho de muitos é suar e sofrer para que poucos possam viver sem suar e sofrer. A não ser pela falta de sofrimento dos outros ou dinheiro. Tudo é dinheiro por lá. E cada demônio sofre para conseguir dinheiro de quem os vê, com desprezo, sofrer. Só para comprar vidas que não lhes façam sofrer mais.
Fala-se de amor. Mas amor por lá é o mesmo que desejo. Então, ama-se o que se quer e não se tem. E despreza-se o que já se tem. Fala-se de felicidade por lá como algo que virá quando tiverem algum amor. E nunca ela vem. Porque o amor nunca chega. Porque sempre está no que não se tem. Trabalham para satisfazer o desejo de um dia não amarem mais o amor, enquanto sofrem para ganhar o dinheiro que gastam para não sofrer.
Mas o que mais entretém o Diabo em sua criação são as disputas. Brigas inúteis. As guerras. Não pelo modo como ferem, matam, roubam e traem. Mas pelas histórias que inventam para dizerem que tudo aquilo que tomaram pela mais pura maldade seria por merecimento. Dádiva do Diabo. Como se dissessem que têm o que têm porque é natural deles ter, da mesma maneira que os diabos pobres nada têm porque nada merecem mesmo. Engenhoso, pensou o Diabo.
Sendo o tédio do Diabo tão infinito quanto sua imperfeição, entediou-se novamente. Sentia faltar alguma coisa à sua criação para retomar a graça original. Juntou uma mão de ódio e misturou-a à ignorância. Acrescentou generosas colheradas de ambição e com o fogo infernal fez evaporar cada gota de pudor, restando apenas uma mente obtusa e dissimulada.
Lançou-a ao Paraíso com uma ordem diabólica. “Vá. Com mentiras, chame para si os odiosos, os ressentidos, os incompetentes orgulhosos, os hipócritas. Dê-lhes armas. Dê-lhes coragem. Diga sim a todos os seus desejos e deixem-nos sofrer as consequências. E faça-os crer que seu sofrimento é culpa de seus inimigos. Assim, governarás para a minha distração.”
E lá se foi a diabada a sofrer em guerras, fomes e pestes enquanto o Diabo, entediado que só, se anima um pouco.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Clique aqui para ler artigos do autor.






