Há muito tempo, num deserto de virtudes e ideias, um povo errático em busca de um futuro jubiloso há muito prometido desesperançou-se. Sofrer e esperar era sua lida de costume. Mas sofrer e esperar cansa, cansa muito, e por isso a esperança a cada dia lhes renovava o ânimo de esperar o que a lida sofrida poderia lhes dar.

Esperança, como tudo que há, vem e há de vir, não surge do nada. É também ela esforço sofrido. Não dos braços e pernas, mas das mentes daqueles que têm certeza nas coisas porque nelas acredita, mesmo quando improváveis. Gente de fé no futuro. Perseverantes, loucos, teimosos. Máquinas de ir em frente. O maior dos perseverantes fervorosos era Moshe. Inspirava com suas certezas e, de lida em lida, discurso em discurso, renovava esperanças. Era um líder.

Também um sábio. Queria para seu povo vida livre e justa. Precisava de leis que pacificassem seus corações sofridos afastando as incertezas. Sabia que sem leis, homens são escravos dos mais fortes e Mosche não queria mais seu povo escravo. Saiu em busca de boas leis. Longe. Demoradamente.

Sem Moshe, por um tempo, viveram como de costume. Mantendo e criando a vida a partir de conhecimentos. Daqueles antigos, já sabidos e que são passados de geração em geração como forma de não esquecermos deles. Também de outros. Saberes novos, que mudam os saberes antigos inventando jeitos novos de se viver. Saberes sabidos e saberes por saber. Eram tão importantes para a vida que havia até um guardião dos saberes. Não era um grande sábio, mas um cuidador da preservação, transmissão e surgimento de saberes.

Depois, aos poucos, desandou. Como Moshe foi-se em busca de novas leis, as antigas passaram a ser vistas como precárias e irrelevantes. A esperança se arrefeceu nos espíritos, como se tivesse ido embora com Moshe. Desesperançosa e sem leis, de pouco em pouco, a sociedade foi mudando. Corrompeu-se.

Os saberes tornaram-se desimportantes, para espanto dos sábios que mal se deram conta da transformação. Alguns, ingênuos e de má fé, até conspiraram por ela. Saberes foram substituídos por ilusões e os sábios por aqueles que iludiam. Ilusões pareciam a esperança de Moshe, porque também vinham da vontade firme. Mas havia diferença. A vontade teimosa de Moshe era fé em uma vida boa para todos. Já a vontade firme dos vendedores de ilusões era a de vida boa para eles e os seus. Sua mágica era disfarçar interesses mesquinhos em desejos divinos e por isso precisavam de um deus nos moldes de sua cobiça.

Ocuparam, de alto a baixo, posições que lhes permitiam conspirar pela corrupção. Para sepultar de vez os saberes, que atrapalhavam a manipulação das ilusões por mostrar que ilusões são apenas ilusões, fizeram de Arão o novo Guardião dos Saberes. Só que não para guardar mais saberes. Apenas para ajudar a vender ilusões em troca de ouro. Muito ouro. Quilos e quilos de ouro. Pois era preciso muito ouro para dar forma ao novo deus das ilusões. O Bezerro de Ouro, deus dourado que levaria o povo de volta ao passado glorioso no cativeiro de bons senhores.

E assim, desesperançoso e iludido, aquele povo permaneceu errático numa realidade cada vez mais árida e infértil. Produzindo ouro e o entregando aos sacerdotes do Bezerro de Ouro para que o Bezerro lhes desse um passado triste de volta. Futuro, virtude, honestidade, compaixão, tudo virou ouro. Do ouro. Pelo ouro. Em nome do Bezerro. Para júbilo de seus sacerdotes cuja única esperança é a de que Moshe jamais retorne.

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Ilustração: Mihai Cauli

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