Está na hora de identificar elementos que possibilitem uma mudança de direção na estratégia de desenvolvimento que permita aos vários enclaves produtivos fluminenses se organizarem num ecossistema produtivo integrado.

No artigo “Os descaminhos da economia do Rio de Janeiro” foi demonstrado que a estrutura produtiva do Rio de Janeiro trilhou uma trajetória negativa de perda de valor adicionado, queda na produtividade, perda de diversidade produtiva e regressão tecnológica. Tudo isto contribuiu para que hoje o estado apresente uma economia semi-estagnada com baixo dinamismo e baixa geração de emprego e renda.

Caracterizar a estrutura produtiva como um ecossistema, numa analogia com a biologia evolucionista, nos permite enxergá-la como um sistema que conecta diferentes atores, sejam eles públicos ou privados, firmas ou instituições, universidades e agências públicas. Neste ecossistema produtivo, a criação de valor da empresa está associada à sua relação com os demais atores.

Um ecossistema produtivo regional pode estar aprisionado em uma trajetória negativa, “locked-in”. Mas ele pode ser estimulado através de uma série de políticas transversais numa direção mais positiva, em um processo de regeneração em que o sistema regional produtivo consiga se adaptar e se diversificar.

Esta transformação produtiva positiva depende da existência de ativos econômicos, políticos e culturais. Deve-se analisar o estoque regional de recursos naturais, as condições de sua infraestrutura, seu conjunto de empresas, o fator humano (qualidade da mão-de-obra e o nível cultural da região) e, por fim, o ambiente institucional. Este processo de criação de novas trajetórias é complexo e envolve questões relacionadas à capacidade produtiva, tecnologia e inovação, mercado consumidor, regulação e legislação, etc.

Por exemplo, um consenso entre os analistas da economia fluminense é sua dificuldade de conectar as instituições de ciência e tecnologia com o setor produtivo, para fomentar a inovação em nosso estado. O grande obstáculo para isso está em enxergar o processo de pesquisa e inovação de forma isolada da produção. Num ecossistema produtivo, a transformação tecnológica exige a incorporação do nexo “inovação-produção”.

A criação de um ecossistema produtivo fluminense é uma tarefa complexa e de longo prazo, que extrapolaria o espaço deste artigo. Mas é possível rascunhar alguns de seus primeiros passos. Vamos nos focar aqui na indústria fluminense, embora grande parte do que será mencionado aqui pode ser adaptado para o setor de serviços e para a agricultura.

Inicialmente, é preciso quantificar e qualificar, na medida em que os dados nos permitam, a estrutura industrial fluminense. Segundo o IBGE, em 2019, a indústria representou 24% do PIB do estado, através de pouco mais de 22 mil estabelecimentos industriais. Isto representa 9,1% do total de estabelecimentos comerciais do estado e 4,7% do total de estabelecimentos industriais do Brasil. Em termos de valor adicionado, para 2019, a indústria fluminense representou aproximadamente R$ 156 bilhões – representando algo próximo de 11% do total brasileiro, menos da metade da indústria paulista (com cerca 29% do total nacional).

Conforme podemos ver no gráfico 1, a indústria fluminense, excluindo a construção civil, é majoritariamente composta pela indústria extrativa através do setor de Óleo e Gás – praticamente o dobro da indústria de transformação. Esta hipertrofia do setor extrativo reflete-se no índice de concentração da indústria fluminense que atingiu 21,14%, considerado moderadamente concentrado.

Em relação à indústria extrativa, o índice de concentração é extremamente elevado, atingindo 80% em 2019. Este resultado demonstra que o Rio de Janeiro não incorpora em sua estrutura produtiva a longa cadeia do setor de Óleo e Gás. Segundo estudo da assessoria fiscal da ALERJ, apenas 25% dos setores está localizado no estado (ALERJ, 2020). Já na indústria de transformação, a concentração levou o índice a 25%, nível considerado elevado. Trata-se do resultado da perda de diversidade produtiva mencionado anteriormente. Poucos setores respondem pelo total do valor adicionado.

Esta concentração da indústria fluminense no setor extrativo demonstra seu impacto quando utilizamos a classificação por intensidade tecnológica. Observa-se que os setores de média-baixa tecnologia são predominantes. Tratam-se dos setores ligados à indústria de Óleo e Gás, cujos elos de sua cadeia localizados no estado são os menos intensivos em tecnologia.

Chama atenção também a baixíssima participação dos setores de alta tecnologia na indústria do estado, resultado do processo de obsolescência da estrutura industrial fluminense. A falta de integração entre o nexo “inovação-produção” dificulta a renovação de setores tradicionais a partir de métodos de produção mais modernos. Também bloqueia a prospecção de novos setores emergentes de base mais tecnológica.

O impacto da baixa participação dos setores de alta e média-alta tecnologia na composição da indústria fluminense pode ser visto no seu baixíssimo nível de produtividade. Embora possa parecer que a indústria extrativa esteja numa situação favorável, a produtividade elevada do setor decorre do preço do petróleo. A melhora a partir de 2015 reflete a subida dos preços do barril de petróleo.  A indústria de transformação fluminense encontra-se presa numa situação de baixa produtividade há muitos anos.

Em relação à geração de emprego, a indústria de transformação e a extrativa empregaram cerca de 355 mil pessoas em 2019. Percebe-se como a crise econômica nacional impactou fortemente os setores. O setor de alimentos gerou 11% do total, seguido pelo setor de vestuário (9,5%), manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos (7,5%) e metalurgia (6,5%).

Nota-se pelo gráfico abaixo que, embora a indústria extrativa represente quase 70% do valor adicionado do total da indústria, contribuiu com apenas 8,4 % do total de empregos do estado do Rio, em 2019, um sintoma do pouco adensamento da cadeia de Óleo e Gás no Rio. Por outro lado, reforça a importância da indústria de transformação. Sua capacidade de geração de emprego se combina com a maior produtividade e maior uso de tecnologia em suas atividades.

Em geral, a indústria tem uma capacidade de gerar empregos de melhor remuneração que a agricultura e os serviços tradicionais, aqui excetuando-se os serviços sofisticados. O estado do Rio de janeiro não é exceção. Também aqui é notável a diferença entre a indústria extrativa e a indústria de transformação, conforme se observa no gráfico abaixo. As indústrias extrativas ofertam empregos cuja remuneração é quase o triplo da indústria de transformação.

Porém, este dado pode ser complementado com uma análise da intensidade salarial. Trata-se de cálculo efetivado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), no qual se mensura o quanto do valor adicionado que é despendido no pagamento de salários. Conforme se pode verificar pelo gráfico, embora a indústria extrativa possua uma média salarial muito elevada em comparação com o resto da indústria, ela possui uma intensidade salarial muito menor. Grande parte do valor adicionado da indústria se destina à remuneração dos lucros das empresas. Isso demonstra como o setor não consegue incorporar atividades econômicas mais intensivas em tecnologia que gerem uma produtividade do trabalho elevada e, por conseguinte, seja capaz de ampliar a renda dos trabalhadores.

Por outro lado, a indústria de transformação se caracteriza por uma intensidade salarial maior, embora decrescente. Como vimos, possui uma estrutura produtiva menos concentrada que a extrativa. Ainda que reduzida, sua diversidade produtiva lhe garante uma capacidade de geração de empregos de mais qualidade, que são fundamentais para uma estrutura produtiva inclusiva do ponto de vista social. Além disso, também contribui para maior distribuição da renda no estado.

Análise:

Após estes dados, podemos brevemente resumir as características principais da estrutura industrial fluminense. Conforme vários autores já observaram em trabalhos anteriores e os dados acima comprovam, a estrutura produtiva fluminense é pouco diversificada e de baixa produtividade. Os setores da indústria extrativa não possuem ramificações regionais extensas e representam enclaves produtivos que, junto com outros setores isolados, se distribuem desigualmente pelo território do estado. Um sistema produtivo regional incapaz de promover o dinamismo de que a economia do estado do Rio de Janeiro necessita para sair desta crise.

Resta agora saber como resgatar a indústria fluminense de forma a promover uma nova trajetória de regeneração e de diversificação produtiva no estado. É difícil afirmar que o estado do Rio tenha possuído nos últimos anos algum tipo de política industrial consistente. Embora tenha recebido investimentos vultosos nos últimos anos, isso não foi capaz de dinamizar a indústria fluminense. O setor privado encontrou algumas oportunidades através, principalmente, da oferta de generosas renúncias ficais.  Por que estes empreendimentos, aliados à indústria do Petróleo e Gás, não foram capazes de dinamizar a indústria fluminense?

Exatamente pela falta de uma estratégia de desenvolvimento definida. Não houve preocupação em estabelecer um sistema regional industrial integrado. Um conjunto de investimentos isolados, desintegrados no território e desvinculados entre si, não é capaz de estimular um processo de regeneração da estrutura produtiva. O que fazer para que o estado do Rio consiga experimentar uma transformação produtiva positiva sustentável?

Traremos um esboço de uma política industrial regional integrada no último artigo desta série. Descreveremos como o Estado precisará ser capaz de liderar este processo no Rio de Janeiro.

Referências:

Assessoria Técnica ALERJ (2020).  O potencial representado pelo Sistema Produtivo de Petróleo e Gás no Rio de Janeiro e implicações para o desenvolvimento regional. Nota Técnica, 01.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone 

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