No sexto círculo do Inferno de “A Divina Comédia”, Dante escreveu: “Mais que saber me é grato duvidar”. O duvidar aqui é a expressão da pergunta simbolizada num ponto de interrogação no final da frase. Paranoicos, psicopatas, genocidas vivem de certezas, não perguntam, estando sempre prontos para atacar as artes e o conhecimento. Entre os seguidores do sábio italiano está o poeta e escritor William Blake, que sabia perguntar: “O que é uma alegria?”; “Em que jardins as alegrias crescem?”. Associar as palavras jardim e alegria marca a história da condição humana com o Paraíso, o Jardim do Éden, os jardins da velha Pérsia, do Japão, de Paris, Londres, dos jardins botânicos. Além do que, a expressão jardim de infância é uma alegria. Já adulto, aprendi com quem nasceu no meio da natureza o quanto há de alegria na beleza de um jardim.
A palavra alegria vem do latim “alacer” – rápido, vivaz, animado. Freud faz referência à alegria nos “Três ensaios sobre a sexualidade”, constatando que ela é mais frequente nas crianças que nos adultos. Já Lacan escreveu que alegria se origina na criança ao se sentir amada, sua importância para o prazer materno. Nas últimas décadas, são também estudadas as origens genéticas nos transtornos do humor, dificultando ou acelerando o sentimento de alegria em crianças sensíveis a frustrações. Alegria é um afeto que requer um limite, uma marca do gozo pulsional na linha do prazer. Um bebê, quando é saudável, nasce chorando, pois a primeira entrada de oxigênio nos pulmões produz dores e choros. Já os primeiros sorrisos que expressam alegria são uma conquista gerada entre a mãe e o bebê. Associar alegria com o mundo infantil tem a ver com a capacidade de brincar das crianças, e a capacidade de brincar é essencial na alegria sempre.
A música é uma das artes que despertam alegria, uma sensação de bem-estar. Até as músicas tristonhas animam e aliviam o peso da existência. Associar a música à poesia foi o que fez Beethoven usar o poema de Schiller “Ode à alegria”, imortalizado pelo compositor que revolucionou a música. O poema começa assim: “Ó, amigos, mudemos de tom! Entoemos algo mais prazeroso e mais alegre!”. Muito antes, na África, os negros cantavam e dançavam, e foram eles que trouxeram alegria para o Brasil. Aliás, o País diminuiu sua alegria nos últimos anos, surpreendendo o mundo, pois a terra do carnaval, das festas públicas, vem se revelando cruel nos ataques racistas e na destruição da Amazônia, como foi na escravidão.
A gente sem alegria vive um desânimo e um tédio que dificultam criar, amar, sentir entusiasmo no cotidiano. Como recuperar o poema perdido na infância, o coração alegre, a arte de viver, a vivacidade pura, talvez seja o alfa e o ômega do saber viver. Como são, por exemplo, as alegrias do analisando e do analista na parceria da busca de uma vida mais satisfatória. Sou dos que acreditam que, aos poucos, a Psicanálise se transforma numa prática com mais leveza, mais suave, mais gentil.
Por outro lado, para fazer “Furos no Futuro” – título do livro do amigo Edson Luiz André de Sousa –, é preciso alegria, alegria do jardim, alegria das parcerias. Após anos tristonhos, de lágrimas, de pensamento negativo, chegou a hora da luta pela alegria – uma paixão positiva. A suave luz no fundo do túnel não pode ser a de um trem vindo em sentido contrário. Creio, como a maioria, que é a luz sonhada de um país mais justo e humano.
P.S. Quem desejar viver mais de uma hora de música e alegria, vá ver o filme DOIS TEMPOS, de Pablo Franciskelli no cine Gran Café na Nova Olaria, em Porto Alegre. (Publicado originalmente no Facebook do autor em 27/05/2022)
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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