As pesquisas eleitorais que vêm sendo divulgadas recentemente reforçam a polarização do processo eleitoral. A praticamente três meses das eleições, enquanto a candidatura do ex-presidente Lula se consolida em algo como 45-50% dos votos, a candidatura do atual presidente Bolsonaro se cristaliza entre 30-35% dos votos. Os vários “balões de ensaio” da chamada terceira via vão murchando e saindo do páreo, mantendo seu isolamento político ou mantendo seus insignificantes patamares, enquanto candidatos com perfil mais ideológico à esquerda não encontram espaço para sair do ringue onde patinam.
Entre os candidatos que saíram do páreo, vale fazer alguns comentários sobre dois deles. Talvez não pela possibilidade de trajetória que chegaram a ter em algum momento, mas fundamentalmente porque sinalizam que temas que chegaram a ter algum espaço no debate em dado momento, perderam fôlego como elementos possíveis de empolgar o eleitorado.
A primeira referência aqui é ao ex-candidato João Doria, que tentou várias formas de decolagem, mas não decolou, e era uma possibilidade de “terceira via”. Governador do maior estado do Brasil, membro de um partido que foi competitivo em sete das oito eleições presidenciais que tivemos desde o restabelecimento das eleições diretas para a presidência, tendo vencido duas, com uma base nacional e governos estaduais importantes, o candidato Doria tinha a possibilidade de assentar a sua campanha no tema da vacina contra a Covid-19, tema que foi por muito tempo de enorme sensibilidade no país. Em torno desse tema, Doria era a figura talvez mais importante, tendo não só utilizado recursos políticos (parceria com os chineses), financeiros e técnicos (através do Instituto Butantã) para viabilizar a produção da vacina, como tendo, nesse processo, se cacifado como um antagonista fundamental do presidente atual, que manteve o tempo todo o seu discurso anti-ciência, e por muito tempo tentou reduzir a importância e as consequências desastrosas da pandemia, agravando-a no país desta forma. Ou seja, um antagonista político e administrativo relevante de Bolsonaro. O fato de sua candidatura não ter empolgado mostra que, passado pouco tempo da universalização do processo de vacinação contra a Covid no país, o tema baixou muito de relevância na preocupação dos brasileiros, para o gáudio do atual presidente, dadas as barbeiragens administrativas de seu governo e de seus ministros, em especial o ministro da Saúde Pazuello, sobre esse assunto.
A segunda referência é ao candidato Sergio Moro. Apesar de tentar também se apresentar como possibilidade de “terceira via”, Sergio Moro era na verdade uma espécie de sublegenda do bolsonarismo, um setor que esteve operando junto ao bolsonarismo antes e na campanha, ajudando a inviabilizar juridicamente o candidato Lula, que aparecia em primeiro lugar nas pesquisas em 2018, até ser afastado da disputa pelas ações de Sergio Moro e coadjuvantes. Apesar do fogo de barragem do bolsonarismo depois que se afastou do governo, Sergio Moro chegou a encorpar nas intenções de voto, sendo o único candidato que chegou perto do permanente terceiro colocado nas intenções de voto, Ciro Gomes. Entretanto, Moro acabou não empolgando o eleitorado e foi se inviabilizando como candidato. Sua agenda de uma nota só (Lava Jato, corrupção) mostrou também que o tema saiu das preocupações centrais do eleitorado.
O que parece ser a grande preocupação do eleitorado é a crise econômica e social. Fome, desemprego, inflação e temas correlatos mostram o tamanho da crise em que nos metemos, e isso vai prevalecendo na pauta sobre qualquer outro tema. É neste sentido que os dois principais candidatos – os que polarizam –, tentam focar nessa agenda, buscando responder as principais preocupações do eleitor de quase todos os segmentos sociais.
Um último comentário que parece relevante. E a tal “terceira via”? Bem, vive um dilema fundamental. O candidato que poderia ser rotulado de “terceira via” com viabilidade de crescer, e que tem demonstrado resiliência do ponto de vista das intenções de voto, embora sem crescimento (entre 7% e 10%) é Ciro Gomes. Ciro tem um programa com tentativa de resposta aos temas econômicos e sociais, que poderia ajudá-lo por conta da sincronia com as preocupações da maioria do eleitorado. Entretanto, exatamente pelo seu programa econômico, Ciro é execrado pelos representantes do mundo financeiro que, por várias razões, dão as cartas na estrutura institucional (grandes partidos, meios de comunicação, e outros).
Assim, Ciro tem votos, potencial, mas não consegue musculatura política (setores sociais, capilaridade regional, espaço na mídia para disputar a opinião pública) para ser um candidato competitivo. E, apertado desta forma, faz uma campanha em zigue-zagues, o que acaba lhe rendendo mais rejeições, sem que os principais adversários lhe ofereçam espaços para crescer. Não é um candidato novo (é a quarta presidencial que disputa), e tenta sobreviver nesse ambiente hostil, mas desse jeito não deve conseguir ir longe.
De outro lado, está Simone Tebet, do PMDB. Coalizão política de dimensões grandes, simpatia dos grandes partidos, dos meios de comunicação e outros, mas… arrisca a ter o fim de Geraldo Alckmin, então no PSDB, na presidencial de 2018, um arco de apoios grandes e só. A montanha corre o risco de ter parido um rato. A três meses das eleições, o espaço da candidata do PMDB para decolar vai ficando cada vez mais estreito, e pode ser que os eventuais aliados regionais não paguem para ver por muito tempo, “cristianizando” a candidata e embarcando regionalmente na polarização nacional.
Se Ciro tivesse a estrutura, recursos e apoios de Simone, ou Simone as intenções de voto de Ciro, poder-se-ia pensar na possibilidade de uma “terceira via”. Como está hoje, e com os ponteiros da polarização bem sólidos, há pouca perspectiva.
Vamos para uma eleição cada vez mais polarizada. Que a defesa da democracia, a vontade de sair do buraco e de uma trajetória de governo doidivanas deem juízo ao eleitorado para consolidar o que está sinalizado nas pesquisas.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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