O tema deste artigo é jornalismo. Mas vamos começar por Pablo Iglesias, o autor, e desculpem aqueles que acompanham a política espanhola, mas gastaremos algumas palavras falando dele. Iglesias foi um dos cinco fundadores do Podemos, em 2014. Foi eurodeputado entre 2014 e 2015, e deputado do parlamento espanhol entre 2016 e 2020. No governo, foi vice-presidente e ministro de Direitos Sociais no primeiro governo de coalizão pós-franquista. Em maio de 2021, depois de um resultado fraco e do avanço da direita nas eleições regionais de Madrid, Iglesias anunciou deixar todos seus cargos. Já tinha dito que “ser útil para o Unidas Podemos é a minha maior aspiração, e acho que é evidente que hoje não contribuo para somar, não sou uma figura que contribua para somar para que possamos [Podemos] vencer na Comunidade de Madrid e da Câmara Municipal. Quando a situação é esta, quando te transformaram em bode expiatório, quando o teu papel mobiliza o pior dos que odeiam a democracia, deve ser tomada uma atitude”. Atualmente ele apresenta o programa chamado La Base, no qual esteve Olga Rodríguez[1], jornalista especializada em informação internacional, Oriente Médio e Direitos Humanos.
Jornalismo, política e Olga Rodríguez
Pablo Iglesias
Ela contou que jornalistas muito poderosos lhe disseram mandar mais do que os políticos, que os políticos passam, mas eles permanecem. Esses mandachuvas da imprensa nunca se sentiram pressionados pelo establishment porque são eles mesmos parte do establishment.
Lembrando o mestre Kapuściński[2], ela explicou que o bom jornalismo tem que ter intenção e deve dar visibilidade às vítimas dos abusos. O bom jornalismo deve estar comprometido com a defesa dos direitos humanos. Lembrou-nos que aquele comunista polaco, mestre de bom jornalismo, disse que as guerras começam antes do primeiro tiro, com a mudança de vocabulário de certos jornalistas que falam de danos colaterais para não falar de crimes de guerra, ou de forças libertadoras para não para falar de ocupantes. Olga nos disse que são os jornalistas que impõem a agenda pública trabalhista falando de flexibilidade para não falar de exploração. Disse-nos que são os jornalistas que falam de “gastos” sociais em vez de falar de investimento social quando se trata de saúde ou serviços públicos.
O jornalismo tem uma grande responsabilidade, já que lida com um direito fundamental – o direito à informação.
Olga nos lembrou de que o jornalismo é um poder e que se o chamam de quarto poder é por uma razão, porque poucas coisas são mais importantes do que ter o poder de determinar a agenda pública. E nos lembrou também de que, justamente por isso, os milionários sempre compram ou investem em meios de comunicação, mesmo que não sejam rentáveis. Olga nos perguntou o que aconteceria se houvesse 400 jornalistas quando uma família fosse despejada ou quando a tropa de choque se preparasse para reprimir um motim em um centro de detenção de migrantes.
Olga nos lembrou de que o branqueamento de fascistas e criminosos às vezes é normalizado nas redações e que, enquanto jornalistas que dão voz aos palestinos são acusados de serem ativistas, aqueles que normalizam a ocupação israelense são premiados e sua neutralidade é celebrada. Ela nos recordou que Ken Loach é chamado de ativista porque é um diretor de cinema de esquerda, mas aos diretores fascistas que normalizam em suas superproduções os assassinatos de Estado e as guerras ninguém chama de ativistas. E nos explicou que no jornalismo acontece a mesma coisa.
Olga nos disse que nas escolas deveriam estudar educação midiática e também a estrutura de propriedade das empresas que detêm meios de comunicação.
Olga lembrou que o jornalista que se tornou roteirista, David Simon, explicava que quando o poder financeiro meteu o bedelho na mídia durante a crise econômica, a coisa começou a desandar de vez. E que então a mordaça contra os jornalistas de esquerda começou a apertar ainda mais. Ela nos contou que a partir de então as redes de correspondentes foram desmanteladas e que o mundo passou a se ver através de um duopólio de agências que garantem a equidistância entre vítimas e algozes, quando não a defesa militante dos algozes. E ela nos lembrou de que uma vez lhe pediram para escrever uma história quando tinha acabado de desembarcar no Iêmen e que ela teve que dizer que não trabalhava assim, que antes ela tinha que pisar no chão, meter-se no país e ver com seus próprios olhos o que estava acontecendo.
Olga nos disse que os historiadores do futuro terão de sublinhar o papel do jornalismo na normalização da extrema direita e do discurso de ódio na Espanha.
Não sou jornalista, mas quero aprender jornalismo com Olga Rodríguez. E que se foda Antonio Caño mesmo que, por acaso e por um momento, tenha dito a verdade. E que se fodam os jornalistas não alinhados e os afiliados ao establishment. Fodam-se os hipócritas de “mais jornalismo” e seus fantoches esquerdistas de aluguel. Eu não sou jornalista, mas admiro os discípulos e as discípulas de Kapuściński. (Publicado originalmente em Ctxt – Contexto e Acción )
Notas:
[1] Olga Rodríguez. Prêmio Jornalismo e Direitos Humanos 2014 pela Associação Espanhola de Direitos Humanos, Prêmio International Press Club 2005 por suas reportagens televisivas de Gaza e Ciudad Juárez, prêmio coletivo Pluma de la Paz 2004 por sua cobertura da guerra no Iraque, Prêmio Coletivo Ortega y Gasset 2003 pela cobertura da invasão e ocupação do Iraque, entre outros. Trabalhou como jornalista no Iraque, Afeganistão, Territórios Palestinos Ocupados, Israel, Líbano, Síria, Egito, Jordânia, Turquia, Kosovo, Estados Unidos e México, entre outros países. Trabalhou durante uma década na Cadena SER, Cuatro e CNN+.
[2] Ryszard Kapuściński foi um jornalista e escritor polaco. Kapuściński é considerado um mestre do Jornalismo Literário. Em 1964 foi apontado pela Polska Agencja Prasowa (PAP, onde trabalhou de 1958 a 1981) como seu único correspondente, e nos dez anos seguintes foi “responsável” por 50 países. Durante esse período, viajou pelo mundo e fez reportagens de guerras, golpes e revoluções na África, Ásia, Europa e Américas. Fez amizade com Che Guevara na Bolívia, Salvador Allende no Chile e Patrice Lumumba no Congo. Ao longo da sua vida, presenciou 27 revoluções e golpes, esteve em 12 frentes de guerra e foi condenado ao fuzilamento por quatro vezes. Em 1999, foi eleito no seu país como o melhor jornalista do século XX . Em 2003, recebeu o Prêmio Príncipe das Astúrias. Em 2004, foi galardoado na Áustria com o Prêmio «Bruno Kreisky para livros políticos.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Tradução: Halley Margon, não revisada pelo autor.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone