
O medo não vem de uma vez. Não é como no susto em que um pipoco coloca num choque o corpo todo em alerta à espera de uma dor possível e iminente. Também não é pelo atiçamento em que o medonho já está na mente do amedrontado e precisa só ser lembrado. Este medo é diferente. Ele vem aos poucos. É construído com esforço, constância e as piores intenções.
Primeiro, é preciso se fazer acreditar. Se fosse para amedrontar crianças seria fácil. Na metafísica infantil, em que o material e o imaginário dançam em igualdade, cabe o bicho papão embaixo da cama. E nem se pergunta o porquê um bicho grande sairia de sei lá onde só para amedrontar no escuro.
Adultos são diferentes. Menos imaginativos e mais ressabiados. Desconfiam de tudo, até do que veem. Cheios de dúvida, vão mais pelo que sentem porque no sentir não precisa pensar. Pensarão em coisas medonhas se sentirem antes o medo. É preciso educá-los no medo com a ameaça da dor ou sofrimento, sem a imagem. Ela fica por conta de cada um. Como à criança, dá-se o escuro e na impossibilidade de ver o que há, a mente infantil coloca ali o bicho papão.
“É melhor você fazer isso, senão!…”. Senão o que? Melhor não dizer. Melhor deixar o medo criar suas imagens e paralisar o amedrontado em raciocínios protetores de um eu ameaçado. Se disser, a descrença faz pensar se o que se ameaça fazer pode, de fato, ser feito. Se a mente achar difícil, descrê do medo. Faz sumir o bicho papão, que deixa de caber embaixo da cama ou no aperto do armário.
Todo amedrontador é, antes, um dissimulado. Um fomentador de incertezas. Ameaça sem ameaçar. Insinua a dor na esperança do medo paralisar quem se move por esperança. Quer dominar antes a mente que as carnes do corpo que se move. Reter pelo enfraquecimento da vontade na ameaça da força. Se acusado de ameaçar, “eu não disse nada…”.
O medo é injusto, porque não é distributivo, equitativa ou retributivo. Não se distribuem medos e coragens em igualdade. Nem de forma equitativa, como se para equilibrar afetos. Tampouco retribui-se medo com medo. Ele é gratuito, desproporcional e se quer absoluto. Quer amedrontar absolutamente e minar de forma absoluta a vontade. O medo é totalitário.
Por isso, as democracias morrem no medo, como que envenenadas. De instituições sem vontade de contrariar a vontade que os ameaça porque não é vontade das pessoas que as fazem se colocar em risco.
Também de pessoas com vontade de não ter medo, mas caladas pelo medo de serem caladas, ameaçadas, perseguidas, insultadas, ameaçadas, baleadas ou decapitadas por dizerem sua vontade.
Vencer o medo requer coragem, aquela vontade resoluta de não se deixar paralisar. Porque o medo, que paralisa, se vence com a ação que nos move com fé e a esperança que faz do sonho realidade.
É preciso vencer o medo para sorrir de novo. Seguir adiante e fazer deste tempo de ameaça, medo e violência a triste lembrança do efêmero momento em que iludidos, perversos e ressentidos tentaram adoentar a toda uma nação com o veneno paralisante do medo.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli
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