”O Fascismo sussurrou no nosso ouvido: você não é forte suficiente para resistir à tempestade.
Hoje sussurramos no ouvido do fascismo: nós somos a tempestade” . (Cartaz na comemoração da vitória de Lula)
Dizem que, na primeira hora da vitória, não se deve pensar no futuro, mas sim comemorar. Pois vamos pensar no que temos a comemorar. Nestes últimos seis anos (estamos contando os governos Temer e Bolsonaro), retrocedemos ao século XIX no que diz respeito à regulamentação entre capital e trabalho; perdemos direitos conquistados ao longo do século XX; parte do Estado brasileiro foi destruída ou leiloada. Voltamos ao mapa da fome; militarizamos as escolas públicas e as que sobraram foram destruídas; jogamos nas ruas milhões de homens, mulheres e crianças.
Isso é pouco? Nem é tudo. Adoecemos a saúde pública. O Brasil, com 2,7% da população mundial, teve 12,4% de todas as vítimas de Covid-19 no planeta, quase 700 mil mortos devido à incúria e ao desprezo pela vida. Organizações da sociedade civil foram corroídas; a cultura foi manietada; florestas foram desmatadas, com os povos originários deixados à mercê da violência de madeireiros e garimpeiros ilegais.
Não foram ideias de um homem apenas. Atribuir a um só governante todo o projeto de governo é ignorar que a sociedade é composta por classes, etnias, grupos de interesses, etc. Mesmo sendo um homem tosco e violento (entre outros defeitos), este, como nenhum governante, age só. Mesmo os reis absolutistas, apesar de acreditarem ser a encarnação do Estado, precisavam de auxiliares que geravam as ideias e ações do governo. Mas os assessores não caíam do céu. Não eram designados por Deus, como julgavam ser Sua Majestade: vinham de vários setores da própria sociedade e defendiam interesses de seus grupos de origem. Somos assim hoje. Nenhum ministro, diretor de empresa ou instituição estatal está ali por seus próprios méritos. Todos têm sua função e seu propósito, representam vantagens de frações diversas da teia social. Apontar um único homem como responsável pelo processo que vivemos nestes tempos escuros é errar o alvo e não perceber o porquê das fraturas e continuidades no fio da História.
Será que uma geração será suficiente para reconstruir tudo o que foi feito nos últimos tempos? Hoje estamos respirando e, sim, comemorando. Porque, ao fazer um rol das perdas e danos, também planejamos o futuro. Porque nos livramos do medo, fomos às ruas sem ser convocados, para dançar e cantar com alegria, numa demonstração de alívio. Não esperamos grandes rupturas. Só queremos trabalho, casa, escola, comida, roupas limpas, tratamento para quando adoecermos, solidariedade e afeto. Justiça e dignidade. Se houver isso, faremos músicas, versos, estórias, vamos pintar e esculpir o que sentimos e o que queremos dizer, sem censura.
O dia 30 de outubro será uma data a ser lembrada. Foi uma construção trabalhosa para chegar até aqui, e temos muito mais pela frente. Já demos o primeiro passo. Se continuarmos caminhando, faremos novamente um país.
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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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