
Mário não está muito empolgado com a Copa. Antipatizou-se com jogadores que, no exagero que lhe é habitual, acha todos mimados e fúteis. Os tormentos dos últimos anos também contribuíram, e muito, para murchar-lhe o espírito. Principalmente em vestir a camisa amarela da seleção, tomada de assalto como símbolo ideológico de ovelhas saudosistas de lobos. Mário, que é ovelha consciente e convicta de suas fragilidades, não consegue mais usá-la. Sente-se cordeiro tolo em pele de lobo.
Jorge está conformado com a derrota. Demorou, mas conformou-se. Acolheu-se em sua frustração junto a outros desamparados morais como ele. Vestiu-se com a camisa da Seleção, arrastou e incendiou pneus em rodovias. Cantou o hino nacional com fervor religioso e orou a Jesus pedindo golpe militar e guerra civil com fervor patriótico.
Dia após dia em frente ao quartel e nada. Nada de nada. Só mais do mesmo. Cansou. Da tristeza, do ressentimento, do fervor, das notícias espetaculares que se revelaram frustrantes, de tudo. Vestiu novamente a camisa em casa e sentou-se à frente da tv. Pouco empolgado com futebol, porém menos empolgado ainda com derramamento de sangue pela pátria.
Lobo adora futebol. Tem seu time do coração, o mesmo de seu pai. Futebol sempre o faz lembrar de seu pai. Da esperança que depositava no seu talento esportivo. “Pobre neste país, meu filho, só muda de vida pelo futebol ou pela sorte.”, dizia sempre. “Estudo e trabalho são necessários só para sobreviver. Não importa o quanto estude ou o quanto trabalhe. Pobre não pode mudar de vida. Não deixam, entende?”.
Hoje, Lobo sabe que no futebol, também não bastam talento e esforço. Precisa ter sorte também. Pelo menos, tem tido alguma nos últimos meses. Resolveu vender camisas da Seleção na rua. Vendeu muitas antes e durante as eleições. E mais ainda depois delas. Está esperançoso de que a sorte, finalmente, lhe esteja sorrindo.
Zagallo é o apelido que lhe pegou de estalo. Pela aparência, pela supersticiosidade e pelo amor ao futebol. Não tem a idade do original e nem o talento em campo, mas é tão passional e alagoano quanto. Por causa da política e, sobretudo, seu apego ao número 13, suas duas paixões se opuseram. Sua passionalidade piorou o conflito. A vitória eleitoral foi um alento. Distensionamento de um espírito sofrido com uma realidade perversa. Faltava reatar com o futebol.
Começou a assistir ao jogo ainda na indecisão sobre torcer ou não. Com a Seleção repleta de apoiadores do insuportável, suportaria torcer? A primeira bola que estourou na trave adversária lhe fez saltar da poltrona como se tivesse tomado um choque. Assim, num estalo, a empolgação com o futebol estava de volta. Correu para pegar a camisa da Seleção enterrada na mais obscura gaveta, como que presa numa tumba. Vesti-la, tornou-se questão de sorte. Da última vez em que assistiu a um jogo da Seleção sem ela, deu no 7 a 1.
Com a camisa da sorte, assistiu, gritou e comemorou histericamente dois gols. “Feitos por um jogador com consciência social!”, pensou. Era, para ele, a paz entre duas paixões. Início afetivo de um futuro digno de esperança. Decidiu que torcerá sem limites ou vergonhas. Otimista com a Seleção porque “Brasil no Catar” tem 13 letras.
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Ilustração: Mihai Cauli
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