Para quem acha que os comunistas não têm sentimentos, só ideias, vale a pena ver a peça “Olga e Prestes – uma história de amor”. Em tempos como os nossos, de cólera e de ódio, de negação da vida, é um bálsamo assistir à peça de Silvio Tendler. É reconfortante, mas incômodo, porque expõe todo o vazio da geração que agora dirige o mundo apenas para seus próprios interesses.

Num cenário simples, de riscos no chão desenhados pelos próprios atores ao longo do espetáculo, encontramos dois seres apaixonados. Não é um amor voltado apenas para um objeto. É um amor extenso, pelo mundo, pela humanidade, pelo próprio amor. Paixão por uma ideia, uma causa. Uma relação que é abrangente e rompe a solidão da prisão.

O texto mostra personagens distantes do nosso dia a dia, pouco conhecidos em sua intimidade. Um homem e uma mulher icônicos, que representam uma época, todas as vitórias e as derrotas de um momento escuro, nos fazem enxergar o que nos falta.  Ver Olga e Prestes pelos olhos de Silvio Tendler foi uma forma de refletir sobre nosso tempo, sobre o quanto deixamos de ser generosos e solidários. Descobrir que perdemos a capacidade de olhar e pensar no outro, nas suas necessidades e desejos. Entender que abandonamos os projetos coletivos para nos ocupar unicamente das nossas vidas, sem enxergar a vida em volta. Pensar que tememos perder algo que não temos.

São emocionantes as vidas de Olga e Prestes.  Oferecer seu tempo a uma ideia, lutar por ela, ter a coragem de viver por uma causa. Isso não existe mais. E, quando existe, é visto como excêntrico ou infantil. Estamos pobres!

Silvio nos mostra o quanto princípios e sentimentos mantinham Olga e Prestes juntos, mesmo separados. A urgência de uma revolução que pudesse dar a todos as mesmas oportunidades, guardando as desigualdades. A noção de um Estado que proporcionasse bem-estar, segurança, felicidade. Era por isso que lutavam. Mesmo cometendo erros de análise da conjuntura, lutaram pelo que entendiam como justo.  A isto dedicaram suas vidas e por isso sofreram e morreram. Viveram como escolheram, como o risco no chão do palco, definindo trajetórias e possibilidades.

Silvio nos lembrou que há gente assim. Que doa seu tempo a uma convicção e que luta por ela. Gente que ama a todos e a alguém em especial. E que faz desse amor um espaço de reflexão sobre o que nos falta. Gente que faz falta.  Vendo esta peça, nos lembramos que perdemos de vista as utopias, considerando sempre o aqui e agora, sem pensar no futuro, nos filhos que amamos.

Somos individualistas porque desaprendemos a amar. Destruímos a natureza em troca de lucro, matamos por motivos fúteis ou para justificar a produção de armas. Vamos explorar tudo e todos até não haver mais nada ou ninguém. Estamos sem futuro.

É como se a trama da peça nos lembrasse que tudo pode ser diferente, que há o que consertar, o que construir, o que retomar. Com riscos que limitam, mas que também estabelecem novos caminhos.

Olga e Prestes são referência. Mesmo não concordando com seus caminhos, para além das pequenas e grandes divergências, estamos juntos por um fim. Eles nunca estavam sós, mesmo numa cela pequena, sem luz ou sem companhia. Estavam acompanhados pelas suas convicções e sua capacidade de amar. E nós estamos sós.

Recomendo a peça. É pura emoção. Mesmo o depoimento discreto e tímido da filha Anita, exibido em filme, soa emocionado quando lembramos do amor que seus pais sentiam por ela, exposto sem acanhamento no texto. Brava gente! Linda ideia! Bravo!

Em breve a peça volta a ser exibida e vai virar filme nas mãos do premiado diretor, Silvio Tendler.

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Ilustração: Mihai Cauli  
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