A Amazônia pode ser o centro da estratégia de desenvolvimento do Brasil, com sua extraordinária megadiversidade e seu potencial de atração de investimentos sustentáveis.
Na medida em que se aproximam as discussões da cúpula climática da ONU, a ser realizada em Belém, torna-se inegável a necessidade de abordar as questões fundamentais para a região da Amazônia, sua preservação e visitação, encontrando soluções sustentáveis para seus povos e culturas originários.
Até o presente momento, não foi alcançado nenhum acordo efetivo quanto à contenção do desmatamento, e essa dificuldade é ainda mais acentuada no que diz respeito ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Diante deste cenário, qual seria o papel do Brasil e do governo para enfrentar os desafios desse complexo território? Como detentor de uma parcela significativa da Pan Amazônia, o Brasil pode desempenhar um papel crucial e liderar a busca por soluções inovadoras e sustentáveis. Mais do que em outros problemas mundiais, o país tem a chance de tornar-se um ator global chave ao superar as barreiras ao desenvolvimento deste espaço, desde que saiba utilizá-lo estrategicamente. Ao fazer isto, não apenas assegura seu próprio desenvolvimento, como contribui para o avanço da América Latina.
A Amazônia é um ambiente complexo e multifacetado. Seu potencial é vasto, mas a abordagem para explorá-lo deve ser nova e adaptável. Com uma gama de ecossistemas, culturas e recursos, a região oferece oportunidades para pesquisa, inovação e cooperação internacional em campos como conservação ambiental, uso sustentável dos recursos naturais e promoção das diversas culturas existentes em seu território.
Nesse sentido, deve existir o cuidado e a responsabilidade de criar políticas que considerem as necessidades das comunidades locais, protegendo os direitos dos povos indígenas e promovendo investimentos sustentáveis. Isso exige uma abordagem social e economicamente cooperativa, envolvendo comunidades locais, especialistas, empresas nacionais e internacionais e organizações do terceiro setor.
Com a posse de Lula, o Brasil entrou com força nesse debate. Assumiu o dever de preservar o planeta, mas também compreendeu que há oportunidade de superar a paralisia econômica do país. Ao enfrentar as dificuldades, o governo deve buscar parcerias internacionais, o que já está ocorrendo nos últimos meses – numa estratégia comandada pelo próprio Presidente – o que não é pouco para mostrar que se trata de uma prioridade política. Investir em pesquisas científicas e trazer a sociedade para encontrar soluções inovadoras e sustentáveis é um caminho no mínimo interessante.
Em última análise, ao abraçar a complexidade da região e buscar soluções inclusivas, o país não só contribui para o seu próprio progresso, mas também se posiciona como um líder na promoção da sustentabilidade e na cooperação internacional em todo o continente latino-americano. Com a presença do ministro da Fazenda Fernando Haddad e da ministra do Meio Ambiente Marina Silva, em um movimento inovador, o governo brasileiro lançou na Bolsa de New York títulos da dívida externa com critérios sustentáveis, chamados de títulos verdes.
A política brasileira utiliza bem a noção de “sociobiodiversidade”, desafiando a concepção popular da natureza como algo pleno e pictórico, pois destaca a necessidade de considerar a integração total com o território. Isso significa reconhecer a história das ocupações de território e das perdas culturais, mas não resumir tudo a idealizações simplistas de que, no passado, tudo parecia ótimo. Preservar a biodiversidade e os povos originários, por si só, não é suficiente para garantir nem mesmo a biodiversidade e os direitos sociais das populações amazônicas, menos ainda a integração plena com o território.
A complexidade do processo requer uma abordagem inovadora mais ampla, onde a preservação da biodiversidade se torna um dos fatores, mas não o único… É crucial superar falsas dicotomias, como preservação e a defesa dos povos originários versus o desenvolvimento, típica de um Brasil dividido. As coisas devem caminhar juntas para uma soma, e não uma subtração.
O folheto “Seres e Saberes”, que circulou nos eventos da região Norte, abre as portas para uma discussão mais ampla sobre nosso papel no meio ambiente e a complexidade das interações entre seres humanos, ecossistemas e conhecimentos tradicionais. A necessidade de abordagens eficazes para lidar com questões como a regularização fundiária é evidente, e a sociedade como um todo pode se beneficiar ao explorar as ideias apresentadas.
Uma das maiores dificuldades atuais é a de encontrar políticas de equilíbrio que se viabilizem no interior do sistema, sobre o assunto amazônico. Resumidamente, existem pelo menos três posturas marcantes no debate. Os “conservacionistas” colocam a preservação como objetivo quase único, onde não há espaço para a intervenção humana, fomentando uma visão quando muito bíblica que resgata um passado imaculado. No extremo oposto estão os que defendem a ocupação predatória, garantindo a liberdade de destruição e, se necessário, exterminação dos que se coloquem no caminho.
O terceiro grupo é conhecido como “socioambientalista” e propõe a proteção aos direitos dos povos originários, além de sugerir caminhos que desencadeiem o direito fundamental de desenvolvimento. Nesta visão, que precisa se tornar predominante, a defesa do meio ambiente surge como uma oportunidade para o país definir seu papel no mundo global, em vez de representar um obstáculo ao desenvolvimento.
Desafio como Oportunidade Industrial e Tecnológica
A Amazônia é uma oportunidade ímpar para a construção de políticas industriais inovadoras, genuinamente brasileiras. Ao focar em setores e tecnologias onde o país possui vantagens comparativas, é possível criar uma base industrial sólida, – sem competição direta com tecnologias já estabelecidas. A região pode servir como um ponto de inflexão para o uso do conhecimento dos centros de pesquisa brasileiros e para a reconstrução da indústria.
Algumas iniciativas já aparecem no horizonte, combinando preservação e desenvolvimento. São diversos os exemplos de negócios que visam o lucro e, ao mesmo tempo, a recuperação dos ecossistemas e valorização dos recursos locais. Um desses exemplos está em nosso próprio bioma: trata-se do Paricá ou Pinho Cuiabano, uma espécie de árvore para plantio comercial, que possui um potencial capaz de superar o do eucalipto (referência no setor de celulose) em termos de qualidade da matéria prima e quantidade produzida.
Quando consideramos os setores farmacêutico e cosmético, podemos identificar inúmeras experiências que envolvem conhecimentos técnicos e científicos que pairam na fronteira do conhecimento. Além disso, surge a necessidade de preservar as culturas e comunidades locais, não apenas em respeito às populações nativas, mas também reconhecendo a riqueza de conhecimento que esses grupos detêm.
Essa sabedoria pode servir como um filtro natural, que fornece informações essenciais para o desenvolvimento de pesquisas na área e impulsiona o desenvolvimento do conhecimento técnico. Consequentemente, pode posicionar o Brasil em competição com grandes conglomerados farmacêuticos e, ao mesmo tempo, fortalecer nossa indústria farmacêutica, mitigando sua fragilidade. As oportunidades de inovação são abundantes, corroborando ainda mais a importância da integração socioambiental.
Mais do que citar os exemplos ilustrativos, o importante é reunir as abordagens fragmentadas e fazê-las convergirem para uma visão estratégica de desenvolvimento articulado e coerente. Um projeto de tal complexidade só pode ser construído em um processo democrático que envolva o conjunto de atores interessados.
Neste sentido, o projeto para a Amazônia tem de contemplar um conjunto muito grande de interesses, entre eles se destacam os seguintes: os pequenos, médios e grandes produtores regionais; os empresários do agronegócio motivados pelas perspectivas de médio e longo prazo; os povos originários; empresas de tecnologia e inovação; fundos de investimentos, etc. Além disto, deve estar enquadrado nos marcos constitucionais e conquistar maioria nas casas legislativas.
O importante é que o projeto amazônico reúna as seguintes características: o cuidado com o meio ambiente, o cuidado social e o desenvolvimento com geração de valor e atração do capital, que pode significar, além disso, a retomada do desenvolvimento industrial e tecnológico. Este processo não se resume a um formato, mas terá um conjunto de formatos econômicos e jurídicos. Provavelmente, existirão mecanismos de pagamento por serviços ambientais, parcerias públicas como o setor privado nacional e internacional, expansão do mercado de carbono, entre outros.
Ao lado da consolidação da democracia, talvez este seja o maior desafio brasileiro: encontrar o caminho do desenvolvimento na Amazônia.
***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Clique aqui para ler “A Agenda pós-2030” , de Thiago Galvão e Rodrigo Ramiro.