Durante a pandemia, o mundo voltou a lembrar da importância do Estado, como o único capaz de liderar a defesa da vida no planeta. Financiou a pesquisa e a produção de vacinas, assegurou a demanda com políticas de compras, além de desenvolver programas sociais de ajuda às famílias. Mas essa fase durou bem pouco e os países voltaram a passar por novas ondas de austeridade, dizem que se gastou muito e agora é hora de apertar os cintos, cortar os programas sociais.

Junto com os fracassos em recuperar a capacidade dos estados liderarem os rumos da economia, muitas pessoas perderam a confiança no governo e nas empresas, por isso não é um acaso o crescimento da tendência de partidos populistas se apresentarem como anarquistas. Na realidade, essa ideia anarco libertária é muito antiga, é uma ideologia velha e, em alguns casos, até feudal, por isso é muito importante retirar a máscara de novidade que esses políticos “outsiders” usam. Eles apresentam soluções simplistas: olham para o sintoma e receitam colocar mais pessoas na prisão ou atribuem a culpa às minorias.

A reconstrução de uma política industrial é fundamental para fazer frente ao neoliberalismo e ao populismo em expansão. Mas devem ser políticas capazes de dar conta dos desafios de um novo contexto do capitalismo.

Em parte trata-se de refazer um caminho abandonado, mas com as devidas atualizações. A literatura econômica tradicional, quando analisava o que estava sendo feito no leste asiático, argumentava que as políticas industriais daqueles países não conseguiam coordenar e direcionar recursos e incentivos para os setores apropriados, pois os governos não possuíam as informações necessárias para lidar com as falhas de mercado e, portanto, acabavam causando mais distorção na alocação de recursos. Ou seja, conduziam à baixa produtividade e à perda de competitividade. A receita de sucesso seria a correção de rumos pelo livre-comércio.

Porém, a era do livre-comércio parece ter acabado. Como a economia mundial se sairá sob o protecionismo? Esta é uma das perguntas mais comuns hoje em dia. Mas a distinção entre livre-comércio e protecionismo (como entre mercado e Estado, ou mercantilismo e liberalismo) não é especialmente útil para entender a economia global. Não só deturpa a história da sua evolução, como também interpreta mal as transições políticas e as condições necessárias para uma economia global com menor desigualdade política, econômica e social.

Os sucessos econômicos dos Estados Unidos e de outras nações ao longo da história ilustram como as políticas governamentais desempenharam um papel fundamental em seu desenvolvimento. Mas a implementação de políticas não é isenta de desafios – o que requer uma abordagem pragmática e adaptativa pode trazer resultados positivos. A base para a formulação de políticas econômicas deve ser fundamentada em evidências históricas e em uma compreensão das complexidades do mundo real.

A histórica econômica dos países desenvolvidos contraria a crença amplamente difundida de que o livre-comércio é sempre benéfico para todos os países. Em muitos casos, políticas de comércio desreguladas podem levar a consequências negativas, como desigualdade social, desemprego e perda de indústrias locais. Esses efeitos negativos também podem ser vistos como a globalização afeta diferentes setores da economia e como as políticas comerciais podem favorecer grandes corporações multinacionais em detrimento das cadeias produtivas internas em sua grande maioria composta por pequenas e médias empresas. O livre-comércio e a sua face moderninha, a globalização neoliberal, desequilibram a política comercial, que é importante, como as outras políticas econômicas, para promover o desenvolvimento sustentável e a prosperidade para todos os cidadãos.

A política industrial deve focar e direcionar seus recursos para os setores e atividades com maior capacidade de transbordamento positivo, isto é, o seu impacto sistêmico na economia. Os setores que podem afetar diretamente e indiretamente a economia de modo mais amplo (como um setor que produz insumos para outros setores) vão beneficiar o bem-estar geral.

Ao longo do milagre sul-coreano, mesmo durante seu período mais intervencionista, as medidas formais de proteção efetiva foram diminuindo. Da mesma forma, o Japão se liberalizou notavelmente na década de 1960 ao ingressar no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) e durante sua entrada na OECD (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) na década de 1970. Mas é um erro achar que as políticas industriais desapareceram; ao contrário, evoluíram ajustando-se à economia globalizada. Entre outras ações, orientaram as economias para exportação, facilitando o comércio entre os tigres asiáticos. Neste rumo, o financiamento do comércio desempenhou um papel importantíssimo, como se verifica em todas as economias do leste asiático, por meio de órgãos como o Banco de Exportação e Importação do Japão.

O crescimento das ideologias anárquicas, destrutivas, que colocam o Estado como fonte de todos os problemas (e por isso estão engajadas em destruí-lo) impõe às instituições públicas recuperarem sua capacidade de dar um rumo estratégico à economia, necessariamente combinado com uma política coerente de inovação.

No Brasil, o sucesso desta política passa pela coordenação, mais do que isso, uma imposição de transformar políticas atomizadas pelos ministérios em uma política de Estado. O BNDES é um instrumento poderoso para esta reunião direcionada, mas ele mesmo precisa ter uma diretriz mais clara do governo, principalmente estabelecendo critérios e condicionantes às políticas de financiamento.

O grande gargalo em países como o Brasil é que as empresas são fortes, mas em geral não inovam, seguem numa inércia própria. Mesmo em setores consolidados, como o da siderurgia, a firmas preferem continuar fazendo o mesmo ao invés de se transformarem, com isso acabam ficando para trás. A Alemanha, por exemplo, hoje tem o aço mais verde do mundo, não por ter decidido que seria assim, mas por precisar ser verde para conseguir crédito governamental e estabelecimento de uma parceria simbiótica em vez de uma parceria parasitária.

Outro instrumento para direcionar e fazer crescer a economia brasileira são as políticas de compras ministeriais – Saúde, Transporte, Defesa, Energia – que, ao invés de continuarem passivas, deveriam se transformar em uma política ativa de privilégio aos que pesquisam e inovam, para reduzir os gargalos da economia do país.

Hoje temos câmeras, celulares, comida para bebê e softwares que são resultado dessas grandes mobilizações de recursos. O mesmo deveria acontecer com a agenda de sustentabilidade do Brasil: dividi-la em diferentes frentes. As soluções para os problemas que surgirem ao longo do caminho podem fomentar muita inovação, é daí que vem o crescimento.

O que realmente importa não é ter um Estado grande ou pequeno, o que faz a diferença é um investimento público inteligente, estratégico e orientado, que impulsione o investimento privado. Antes, porém, como já foi dito, é preciso definir essa política e seus instrumentais – crédito, concessões, subsídios, etc. Distribuir crédito para as empresas não basta e isto não é uma política industrial e de desenvolvimento.

Uma política industrial, para dinamizar ativamente a economia por meio de intervenções governamentais direcionadas, em vez de depender exclusivamente das forças de mercado deve dar importância aos investimentos em infraestrutura, como estradas, pontes, canais e ferrovias,  educação e pesquisa para desenvolver uma mão de obra qualificada e promover avanços tecnológicos, rever toda política de tarifas comerciais e do próprio comércio externo, políticas de desenvolvimento das energias sustentáveis, com ênfase nas políticas para a Amazônia. É fundamental que esse direcionamento esteja afinado com a política macroeconômica, monetária e fiscal, que todas as políticas, de longo e curto prazo, estejam subordinadas a um mesmo objetivo estratégico da política industrial.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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