Vereandor
Robinho foi para o gabinete de mau humor. As reuniões da Câmara de Vereadores são sacais para ele, vereador de primeiro mandato. Eventualmente, discute-se coisas sérias, mas ele não entende muito das seriedades da cidade. Não é seu “metiê”, repete com alguma empáfia disfarçada com o sorriso quase constante que estampa na cara.
Alguns colegas de mandato representam categorias. Outros, lugares. Há o vereador dos policiais, que só fala em segurança. O do bairro de periferia, que fala em empreendedorismo. O de esquerda, identitário e muito preocupado com linguagem neutra. O do bairro rico, que só fala de desenvolvimento. E muitos outros na pequena selva de interesses, muitas vezes inconfessáveis, daquela Assembleia. Todos têm seu território ou assunto definidos, menos Robinho.
Seus eleitores são uma massa disforme de gente dispersa por toda a cidade e unida apenas no território virtual das redes sociais mais tóxicas. Os interesses do seu mandato mudam com a fluidez e a inconstância dos trending topic. No geral, se diz conservador nos costumes e liberal na economia, o que, por um lado, o deixa bem com seu eleitorado raivoso e, por outro, aberto a boas propostas financeiras.
Quando faltam tretas na internet que possa aproveitar para aparecer bem para seus eleitores, ele as cria. É bom nisso. Costuma pegar alguém famoso como alvo. Quanto mais querido, melhor. Uma vez atacada, os que gostam da celebridade saem em sua defesa, dando ainda mais engajamento e alcance às besteiras que Robinho diz na rede.
Nos últimos tempos, escolheu como alvo o padre Bento. Sacerdote famoso por dar alimento aos que vivem na rua. Daqueles padres que praticam a caridade pessoalmente, que catequizam pelo exemplo mais que pelas palavras. Há muitos motivos que levam alguém a viver na rua. Desilusões, loucuras, falência, abandono, crueldades, também drogas. Querem que a cidade seja higienizada com o extermínio dessa gente de rua, mas não têm coragem de dizer isso em grande público. Mas Robinho tem. Tomou o padre como alvo de seus ataques.
Fala dele como se fosse um traficante. “Com sua comida, facilita o tráfico, deve até distribuir drogas!”, “Só se consegue trabalhar em paz naquela região quem os traficantes deixam. Aquele padre é amigo de traficantes e amigo de bandido, é bandido também!”, “Temos é que acabar de vez com essa gente toda de uma vez!”, diz no plenário e nas redes.
A estratégia tem dado certo. Robinho tem conseguido alcance suficiente para manter acesa a chama de ódios e preconceitos nos corações vazios de grande parte dos que o elegeram e fisgar mais alguns odiosos e odientos para suas redes e, quiçá, para as urnas na próxima eleição, quando pretende “promover-se” a Deputado Estadual. A depender do volume de ódio, Deputado Federal, quem sabe?
Ficou exultante quando viu o relatório do engajamento de sua última postagem. Repleta de comentários. A maioria, ofensivos a ele. Pouco importa, ajudam no alcance e engajamento. Só ficou chateado de não ter sido provocado por nenhum artista. Seria mais uma oportunidade de crescer na rede do ódio.
Fechou aquele dia que começou chato com o tipo de reunião que ele adorava. Pouca gente, portas fechadas, boa comida, bebida, drogas e prostitutas. Para ouvir a proposta de uma construtora para mudar a lei de posturas para que ela possa levantar mais um condomínio de luxo numa área onde hoje é uma favela. O tipo de desenvolvimento que Robinho acredita que a cidade e seu bolso precisam.
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Ilustração: Mihai Cauli
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