Crônica de Carnaval

Dia 1. Chegamos com fome. Uma tripa de carros nos recebeu dificultando ao máximo a entrada na cidade. Por sorte e 30 contos, conseguimos parar o carro num lamaçal. Encontramos, em plena Bahia, um restaurante de comida mineira tradicional que servia pizza e sushi. Começou o carnaval…

Dia 2. O caminho até a praia deixou claro que regras de trânsito não existem aqui. Aliás, não sei se alguma regra existe por aqui. As coisas são reguladas apenas pelas leis da física e, mesmo assim, não faltam tentativas de transgressão. Na praia, o encontro com a natureza e uma população do tamanho da uruguaia no espaço da Praça Saens Pena. O princípio de que dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar ao mesmo tempo não funciona aqui. As leis da física só vão até a entrada da areia da praia, daí pra frente, é o caos. Beber é a única coisa decente a se fazer. À noite, blocos e trios se revezam. Nos ouvidos, batucadas, frevos, sertanejo, rock, funk e até ópera. No carnaval, realmente vale tudo.

Dia 3. Bloquinho na praia. O sujeito diz “oi” pra moça. Ela responde, sorridente “oi!”. “Está morando aqui?”. “Sim!”, diz a moça. Beijam-se e vão cada um para um lado. A amiga pergunta, “conhece ele?”. “Não”. “Mas por que disse pra ele que morava aqui?”. “Porra, sei lá!”. A cerveja esquenta antes de encher o copo, que esvazia pelos goles e evaporação. Nem copo Stanley chumboso dá jeito. Resolvi beber algo mais forte.

Dia 4. Acordei pensando que poderíamos ter quatro rins ao invés de só dois. Tive que me contentar em, pelo menos, conseguir pensar em alguma coisa. No café da manhã, entre o leite, o café e o queijo, vodca vinda sei lá de onde. Comecei a noite encostado numa parede meditando enquanto blocos, trios e gente fantasiada ia e vinha. Muita gente perdida na rua. Quase todas casadas. Hipótese: a bebida afeta mais aos casados. Com solteiros, acontece o oposto. Acham-se. Gente fantasiada de médico distribui camisinhas na rua. “Perda de tempo e dinheiro”, pensei. Depois de seis horas de praia e dez de carnaval de rua, quem é que aguenta sexo? Tinham que fazer essa campanha na Semana Santa.

Dia 5. Ainda não fui preso. Nem internado, apesar de tudo. Queria lembrar do que aconteceu, mas misturar vodca, cachaça, cerveja, vermute, uísque, gin, manjericão e bubaloo de melancia não foi uma boa ideia. De qualquer maneira, não deve ter sido nada muito terrível porque umas duas ou três pessoas ainda falam comigo. Ou será uma, só que estou vendo triplicada? Não sei. Vou tomar absinto pra pensar nisso.

Dia 6. Que dia é hoje? Quantos dias o carnaval tem por aqui? E por que diabos eu fico me perguntando essas coisas? Os óculos quebraram. Estou usando outros que não sei de quem são. O relógio sumiu, mas não faz falta por aqui. Trazer os livros só serviu para deixar a mochila pesada. A internet funciona muito mal. A vida civilizada se resume a ter gelo filtrado – será que é filtrado mesmo? – e coisas engarrafadas. Há corpos caídos no chão. Parece chacina, mas me disseram que era só uma quarta-feira de cinzas – disseram? Ou foram as vozes na minha cabeça?

Dia 7. Aparentemente, estou em um carro. Não sei como vim parar aqui dentro. Mas como não estou no porta-malas, então acho que não fui sequestrado. Do banco da frente, veio um “boa tarde” e um “estamos chegando”. Reconheci nas fachadas dos prédios a cidade do trabalho e da vida social de sempre. As coisas estavam, finalmente, voltando ao normal. No rádio, notícias de crimes e as coisas de sempre da política. Reuni as últimas forças e gritei: “volta, VOLTA!!!!”

***
Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
Clique aqui para ler artigos do autor.