Estamos completando quase três anos sem qualquer oferta pública de ações (IPO – Initial Public Offer) na Bolsa de São Paulo (B3). O último IPO ocorreu em 2021, pelo Nubank. Em razão da elevada taxa de juros brasileira, o mercado de renda fixa se impôs sobre o mercado de ações. E essa menor demanda por ações fez com que as empresas adiassem seus planos de abertura de capital.

Houve apenas seis ofertas subsequentes de ações (follow on), que são feitas por empresas abertas, dentre as quais a da Vulcabrás (R$ 501 milhões), Energisa (R$ 2,5 bilhões) e Grupo Pão de Açúcar (R$ 704 milhões). A Sabesp, cuja privatização será feita por meio de follow on, deverá ser a principal transação na Bolsa em 2024. Fora isso, a Bolsa ficou restrita ao movimento de compra e venda de ações no mercado secundário e à especulação nos mercados futuros e de opções, movimentando ao redor de R$ 60 bilhões por mês com um Ibovespa girando em torno de 126 mil pontos, considerado um dos piores desempenhos do mundo. Os preços das ações estão baratos e a precificação para eventuais IPOs muito aquém do valor real das empresas. Além disso, o elevado volume de saques nos fundos multimercado indicam escassez de dinheiro para ações novas. O desempenho das empresas que participaram em IPOs deixou a desejar, em razão da posterior depreciação acentuada no preço de suas ações.

Pode-se dizer que o mercado de ações no Brasil é ainda muito incipiente para canalizar recursos para esse tipo de investimento. A capitalização de mercado (market cap) da B3 ultrapassa os US$ 900 bilhões (o PIB brasileiro foi de US$ 1,8 trilhão em 2023) e o volume negociado é de US$ 60 bilhões por mês. Há cerca de 400 ações de empresas listadas na Bolsa – porém, nem todas são negociadas. O Ibovespa é composto por 86 papéis. Note-se que nos países mais desenvolvidos o market cap é bem superior ao PIB do país.

O mercado está na expectativa de uma queda na taxa de juros dos EUA, o que propiciaria um aumento do fluxo de capital internacional para papéis na Bolsa brasileira. Mas a baixa demanda por papéis não tem sido afetada somente pelos juros americanos, que estão altos. Os exorbitantes juros brasileiros também têm afetado deleteriamente o mercado de ações. Além disso, os juros elevados provocam uma contração do crédito, cujo custo fica proibitivo e pode provocar uma crise de liquidez que termina arrefecendo desnecessariamente o nível de atividade econômica que já é baixo, reduzindo a confiança dos investidores em geral e, portanto, seus investimentos.

A volatilidade da taxa de câmbio também afeta os investimentos e pode impactar empresas com dívidas em moeda estrangeira ou aquelas que dependem de importações. Os recentes ataques especulativos contra o real, sem qualquer medida de defesa do nosso Banco Central, é outro fator que causa pessimismo generalizado entre os investidores, muitas vezes alimentado por notícias negativas e expectativas de piora econômica, podendo resultar em vendas massivas de ações.

As empresas, para fugirem do elevado custo de captação junto aos Bancos, estão obtendo recursos por meio da emissão de instrumentos de crédito privado (debêntures, certificados de recebíveis imobiliários – CRI, Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRA, etc.). Os setores de infraestrutura, agronegócio e imobiliário contam com isenção de impostos nas emissões de dívida compradas por pessoas físicas, o que tornam tais operações bastante demandadas. O número de operações com debêntures apresentou um crescimento de 86%, passando de 155 em 2023 para 289 em 2024 (jan-jun/24). Os CRIs cresceram 69,5% alcançando 256 operações. Já as emissões de CRAs se elevaram a 76. São aplicações financeiras que remuneram os investidores pessoas físicas em patamar da ordem de 95% do CDI. Enquanto isso, o Ibovespa acumulou queda de 4% no primeiro semestre de 2024.

Aconteceu, por fim, a privatização da Sabesp que atende a 12,9 milhões de clientes e teve um lucro líquido em 2023 de R$ 3,1 bilhões. Ela foi feita através da modalidade follow on, pois a empresa já tinha ações em Bolsa. Foram vendidas ações mediante reservas prévias que correspondem a 32% do capital da empresa pelo valor de R$ 14,8 bilhões.  O preço definido por ação foi de R$ 67 — mesmo valor negociado com a Equatorial Participações e Investimentos, investidor estratégico da Sabesp, que já tinha adquirido 15% dos papéis por um total de R$ 6,9 bilhões. O governo do Estado de São Paulo manteve uma participação de 18,3% na empresa. O processo foi objeto de severas críticas: pela fixação de um preço – R$ 67 – muito inferior ao valor médio de mercado – de R$ 83, em função da baixa concorrência, pela permissão para a Equatorial de assumir o controle da gestão da Sabesp com uma parcela minoritária do capital, pela forma de seleção dos investidores premiados com a compra das ações subsidiadas, pela falta de compromissos contratuais com a universalização dos serviços, dentre outras críticas. Segundo postagem do Sócio associado da Kipuinvest, Roberto Nemr, no seu linkedin, teria ocorrido no processo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) uma “Black Friday fora de época de tio Tarcísio de Freitas, o amigo do investidor. Era só comprar mais do que você queria, pegar o rateio a 67 reais e vender com 30% de lucro a 87. Quem paga? O erário do governo de São Paulo, que está com os cofres cheios e não precisa desses reles R$ 3 bi a mais que distribuiu generosamente para centenas de investidores carentes”.

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Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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