Como um nudge pode afetar nosso dia a dia, dando um empurrãozinho no humor dos cariocas.


Pela manhã, enquanto seguia para o trabalho, me deparei com uma cena bastante curiosa. Em meio ao cenário urbano típico do Rio de Janeiro, na rua Afonso Cavalcanti, nº 231, na Praça XI, avistei um muro recém-pintado, com um tom de bege claro, limpo e impecável. O que realmente chamou minha atenção foi uma inscrição no centro do muro, pintada com letras pequenas e vermelhas. Ao me aproximar, consegui ler: “muro reservado para pichadores amadores“.

Assim como eu, o leitor provavelmente abriu um sorriso ao perceber a estratégia inteligente por trás dessa mensagem: uma tentativa sutil e criativa do proprietário do muro para evitar que ele fosse vandalizado por pichadores.

Sem perder tempo, tirei uma foto e enviei para os meus amigos no WhatsApp. Todos riram bastante e, em seguida, surgiram as perguntas: “Será que vai funcionar?”, “Quando pintaram isso?”, “Quem teve essa ideia genial?”. Eu não sabia responder, e foi exatamente essa curiosidade que me motivou a escrever esta nota, na esperança de descobrir mais sobre quem foi o autor dessa inscrição tão sagaz.

O mais curioso é que há uma variante dessa inscrição, talvez ainda mais impactante, mencionada por um leitor da reportagem publicada no G1.  Ele escreveu: ‘Outro dia, morri de rir com um aviso em um muro grande e bem pintado em São Gonçalo, que trazia a seguinte mensagem para os pichadores: “Reservado para Pichadorzinho Amadorzinho.

Esse é um claro exemplo de algo que, na ciência comportamental, é chamado de “nudge”. A ideia por trás de um nudge, que pode ser traduzido para o português como “cutucada ou “empurrãozinho”, é bastante simples: em vez de proibir ou punir diretamente determinado comportamento, você cria um contexto que incentiva ou dissuade a ação, sem que a pessoa se sinta pressionada ou obrigada a agir de uma determinada maneira.

O exemplo do muro na Praça XI é uma aplicação prática e simples do conceito de nudge em um cenário cotidiano. Ao invés de uma abordagem tradicional de proibição, o proprietário optou por uma provocação bem-humorada, sugerindo que aquele espaço era destinado a “amadores”. Isso mexe com a autoestima dos pichadores e, de forma sutil, faz com que reconsiderem a ação de vandalizar o muro. Não há imposições nem ameaças, apenas um leve redirecionamento da atenção que pode ser muito mais eficaz em desmotivar o comportamento indesejado.

Será que vai funcionar? O tempo dirá, mas a estratégia certamente se destaca pela criatividade e baixo custo. Assim como no exemplo da mosca desenhada no mictório, que instintivamente faz os homens mirarem nela e, com isso, reduz a sujeira ao redor, são esses pequenos ajustes que podem gerar mudanças significativas no comportamento humano.

No entanto, o nudge também pode ser utilizado com más intenções. Pablo Marçal, antes da eleição, publicou nas redes sociais e repetiu durante o debate da TV Record o seguinte:

  • – “Eu quero te pedir, antes de digitar o 13, que você está doido para fazer isso em São Paulo, digite o 28”. (O Globo, 09/10/2025)

Para os que não sabem, o  número de Boulos é o 50.

Apesar de casos como esse, o nudge tem sido amplamente adotado em boas políticas públicas ao redor do mundo. O conceito de nudge não se limita a intervenções urbanas e situações do dia a dia. Ele também tem sido amplamente adotado em políticas públicas ao redor do mundo. Ao escrever essa nota, descobri que a Prefeitura do Rio de Janeiro criou, em junho de 2018, a NudgeRio, uma equipe voltada para o uso da ciência comportamental no desenho e implementação de políticas públicas.

A NudgeRio tem como principais objetivos disseminar o conceito de Ciência Comportamental Aplicada entre os órgãos da Prefeitura, consolidar a execução de projetos baseados em nudges e se tornar uma referência para outras instituições governamentais, tanto municipais quanto estaduais. A proposta é que essas intervenções sutis ajudem a melhorar o comportamento social em áreas como saúde, educação, meio ambiente e mobilidade urbana.

E você? Já pensou em como essas pequenas mudanças podem afetar o nosso dia a dia? Fiquei muito interessado em saber mais sobre a NudgeRio e acompanhar como essa iniciativa pode impactar a vida dos cariocas. Quem sabe o muro da Praça XI seja apenas o primeiro de muitos exemplos criativos que veremos pela cidade nos próximos anos.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
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