É frustrante ver o sectarismo bolsonarista contra a democracia e o dogmatismo sectário dos neoliberais condenando Lula. Que tristeza!
Dia 13 de novembro fui surpreendido por duas manifestações irascíveis de sectarismo. Uma, o artigo de Zeina Latif intitulado “Inflação alta não aceita desaforo” e a outra, as tentativas de ataques a bombas ao STF, guardião da nossa Constituição.
Zeina, em seu artigo no Caderno de Economia de O Globo, deixa claras sua frustração e descrença na condução da política econômica do governo Lula, destilando a visão dogmática do “mercado” sobre nossa economia. Seu artigo dá a entender que todo o esforço de ajuste no âmbito do arcabouço fiscal levado a cabo pelos ministros Haddad e Tebet são inúteis e tardios. Fala da “grande deterioração da credibilidade do governo”. Fala do “fogo amigo” e de “tensão pré-eleitoral” dentro do PT, descartando eventuais diferenças de visões sobre o papel do Estado na economia e sobre disciplina fiscal, mas sim, dando peso a uma disputa política. Reforça a ideia muito discutível de que cortes de gastos são indispensáveis ao controle da inflação.
Cita macroeconomia de curto prazo, centrada nas flutuações e variáveis cíclicas da economia, focando em fatores que afetam a produção, o emprego, a inflação e o consumo em horizontes temporais menores. Nessa macroeconomia, perfila a demanda agregada, a inflação e desemprego, a política monetária e fiscal e a rigidez de preços e salários. Um governo que se preze, além disso, tem que olhar o crescimento sustentável da economia e o impacto de fatores como a tecnologia, o capital humano e a produtividade. É uma malha intrincada de temas e de conflitos que merecem plena atenção das autoridades, além de muito investimento público e privado.
Primeiramente, não sei de onde a autora tirou a ideia de deterioração da credibilidade do governo. A pesquisa da CNT/NDA, de 12/11/24, indica que o governo democrático de Lula conta com 67% de avaliação ótima, boa e regular. No tocante à credibilidade externa, os investimentos diretos estrangeiros continuarão equilibrando nossa conta corrente, situando-se ao redor de US$66 bilhões/ano, tendo havido melhoria do rating do país pelas agências de risco internacionais. As previsões de crescimento superam as expectativas, a taxa de desemprego é da ordem de 6% e a inflação deverá ficar próxima a 4,7% em 2024.
Em segundo lugar, é perfeitamente plausível os ministros defenderem com unhas e dentes seus orçamentos, mesmo porque nem todos acreditam, assim como muitos economistas respeitados, que o controle de gastos seja eficaz na contenção da inflação. Eles, evidentemente, acatarão as decisões do Presidente sobre os cortes de gastos orçamentários. Aqueles que não aceitarem entregarão seus cargos, de forma republicana. E isso não tem nada a ver com tensão pré-eleitoral. É muito cedo para tal preocupação.
Em terceiro lugar, a articulista erra ao falar da “estratégia de expansionismo fiscal do governo”, de soltar as rédeas, capitalizar eleitoralmente em cima do excesso de gastos e depois, no novo mandato, corrigir os excessos. Lula e Haddad encontraram terra arrasada quando assumiram o governo em janeiro/23. O absurdo Teto de Gastos já estava todo cheio de buracos enormes e eles fizeram um grande esforço para aprovar no Congresso sua substituição pelo arcabouço fiscal, que é mais moderno e menos intransigente.
Em quarto lugar, Haddad, Tebet e Campos Neto, membros do Conselho Monetário Nacional erraram feio por não terem mudado a meta de inflação de 3%, que é totalmente irreal e nunca foi alcançada. É um joguinho de cartas marcadas: coloca-se uma meta inalcançável e cria-se a prática mecanicista de buscar alcançá-la através de aumentos desnecessários da taxa de juros básica da economia aprovados pelo Copom, o que só faz contentar os rentistas, aumentar a dívida pública, o déficit nominal e desequilibrar ainda mais o orçamento.
Em quinto lugar, destilar veneno de que Galípolo não perseguirá a meta de inflação é golpe baixo. É como jogá-lo aos leões antes mesmo dele assumir a Presidência do BC. Assemelha-se a terrorismo de mercado. Haddad, Tebet e Galípolo deveriam propor a criação de um Comitê mais amplo no Conselho Monetário Nacional para estudar qual seria uma meta adequada de inflação para o Brasil. Com isso daria mais transparência para essa caixa preta atual, onde o Banco Central secretaria o Conselho Monetário e, por isso, dá as cartas para que o mercado continue subjugando o Estado brasileiro. O Bacen deveria, também, a exemplo de outros países, atuar sobre toda a curva de juros futuros e não permanecer somente no curto prazo. Por fim, para fazer as enquetes do Copom, deveriam ampliar o espectro de opiniões, incluindo o empresariado do país, não ficando restrito somente aos “players” do mercado financeiro. É um absurdo!
Em sexto lugar, salvo melhor juízo, não me consta que investidores no Brasil tenham sofrido perdas em virtude das ações do governo Lula. Os contratos – todos respeitados; reformas em curso; inflação sob controle; desemprego em níveis baixos; tudo normal. Recomendável, pelo bem da verdade, que Marcos Lisboa, citado pela autora, cite quais investidores tiveram prejuízos. Se eles esperavam uma taxa de juros declinante, que culpem o Copom e o mercado financeiro, aliados que estão na financeirização de nossa economia, subjugando o Estado à falácia do déficit fiscal incontrolável.
A autora, com seu alarmismo descabido, fala que “o risco inflacionário virou certeza inflacionária, ainda que não caiba falar em descontrole.” O que é isso? Morde e assopra? Chuta o balde e logo põe panos quentes no estardalhaço causado, para não ficar tão mal no filme?
É importante deixar claro que não há nenhuma certeza econômica para a relação de causa-efeito entre um déficit primário no intervalo de 1 a 1,5% do PIB e uma inflação fora de controle, como sugere a autora. Também não há certeza macroeconômica nem de “curto” nem de longo prazo para a efetividade da redução da inflação pelo aumento da taxa básica de juros. Assim como também é espúrio o cômputo das operações compromissadas na dívida pública brasileira, pelo simples fato de que tais operações não são de dívida pública. E também não há nenhuma evidência de que nosso país esteja beirando descontrole fiscal. Fora de cogitação.
Não seria mais legítimo que a autora, como cidadã brasileira, propugnasse a taxação dos super ricos para facilitar o equilíbrio orçamentário do país? E por que não a taxação de dividendos, que absurdamente não é cobrada no nosso país? E quanto aos elevados subsídios para o setor empresarial, não tem nada a dizer? E por que não apresenta fórmulas construtivas para a minoração dos impactos cambiais na inflação que, em 2024, já supera 18% de apreciação em relação ao real? É com controle de gastos internos que se controlaria a inflação importada?
É certo que existe fogo amigo no governo Lula. Gente que descarta as alianças que elegeram o Presidente e que são indispensáveis para a aprovação de pautas necessárias para o país avançar. Mas não é certo que Lula esteja focado nas eleições de 2026 em 2024. Ele enfrenta boicotes e chantagens de todos os lados, principalmente do mercado financeiro que chantageia o Banco Central do Brasil pela emissão de títulos indexados e nos aumentos da taxa de juros de forma mecanicista para o controle inócuo de uma inflação da ordem 4,5% para se chegar a uma meta inalcançável de 3%, ninguém sabe para quê. É o fenômeno da financeirização que pôs de joelhos toda a sociedade, beneficiando-se de uma portentosa transferência de renda, da ordem de 30% do PIB.
É frustrante ver, de um lado, o sectarismo bolsonarista que continua atentando contra a democracia e, de outro, o dogmatismo sectário dos neoliberais condenando o governo do presidente Lula pela simples razão de ser democrata. Que tristeza!
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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