O efeito Trump na queda do dólar no Brasil fez o real se valorizar de modo impressionante, mesmo tendo a situação econômica do Brasil se mantido inalterada. Onde está o risco fiscal e de calote da dívida pública?

O real é uma das moedas com maior volatilidade do mundo. Isso se deve à completa abertura da conta de capitais e à institucionalidade da política de metas de inflação.  Desde a sua implantação, o real estabilizou os preços, mas na teoria econômica dominante não existe separação entre preço e moeda. Nas condições definidas para a estabilização de preços, a moeda, para perder um pouco da sua volatilidade, necessitou e continua a necessitar de um diferencial elevado entre a taxa de juros interna e a taxa de juros americana, deixando a política monetária refém da política do FED.

Na área fiscal, é necessária a permanente busca do superávit primário (teto de gastos, Novo Arcabouço Fiscal-NAF, responsabilidade fiscal, etc.) e todo um aparato legal e institucional para criminalizar o gasto público. Se gasta o que se arrecada, como se o orçamento público fosse igual ao orçamento de uma família.

No caso de um país, a causalidade é inversa. Simplificando, a receita é derivada do gasto. E, no caso de uma empresa, eu gasto para produzir e depois vender. Neste caso, a receita ocorre depois do gasto com matérias primas, salários, equipamentos, manutenção.  Para que a empresa tenha receita, ela precisa vender e para vender tem que ter demanda. Se não tiver demanda, não tem venda, nem receita, lucro, pagamento de salários aos trabalhadores e aos fornecedores.

Se o governo corta os gastos públicos, a demanda cai. Portanto, cai a renda, o lucro das empresas e os salários dos trabalhadores. Da mesma forma, se as empresas cortarem os seus custos, pode ser bom para empresa individual, mas, no conjunto gera uma redução da demanda geral, afetando negativamente a economia como um todo. O que, por sua vez, vai causar uma redução nas receitas do próprio governo.

Em síntese, a taxa de juros elevada retrai o investimento privado e público e fortalece o desemprego e a ociosidade do capital instalado. Juros altos, demanda baixa, retorno do investimento inferior ao seu custo, o investimento se retrai e os lucros também. Estão formadas as famosas expectativas.

Expectativas erradas, economia errante

O mercado tem errado sistematicamente suas expectativas econômicas sobre o futuro. O relatório Focus emitido semanalmente pelo Banco Central (BC) e base para a tomada de decisão do Comitê de Política Monetária-Copom mostra um histórico de erros gritantes. Erros em que subestimam o crescimento do PIB, superestimam a alta de preços (inflação) e, consequentemente, recomendam sempre o aumento das taxas de juros, supondo um constante aquecimento da demanda. A institucionalidade do regime de metas de inflação, tal como existe no Brasil, inverte a causalidade de quem define as “expectativas do mercado”. O governo não é o tomador das “expectativas do mercado”, é ele mesmo quem induz o mercado para a formação de suas expectativas.

Como as decisões sobre a composição da carteira de ativos das empresas são tomadas com base nas expectativas, elas acabam sendo feitas com base nas expectativas quanto à taxa de juro futura e os retornos prospectivos dos diferentes tipos de bem de capital. Se for o governo quem acaba gerando estas expectativas, acaba por induzir (negativamente) as decisões de investimento.

A economia brasileira num sentido e o BC em outro

O desempenho dos grandes agregados econômicos em 2024 mostra que os riscos de descontrole fiscal e inadimplência da dívida pública eram infundados. O crescimento do PIB vai se aproximar de 4%, o emprego aumentou e bateu recordes históricos, a renda se elevou e o consumo, em consequência, também. A inflação não está fora de controle. Nem o orçamento público com déficit primário de 0,1% e com os gastos da enchente do RS de 0,37%. O governo federal registrou uma arrecadação recorde em 2024: as receitas somaram R$ 2,65 trilhões, uma alta de 9,62% em relação ao ano anterior, já descontado o efeito da inflação. No balanço das receitas administradas pela própria Receita Federal, que incluem impostos e contribuições, a arrecadação total com PIS/COFINS teve uma alta real de 18,6% em 2024 e alcançou R$ 541,7 bilhões. A receita previdenciária, por sua vez, subiu 5,34% acima da inflação e somou R$ 685 bilhões.

O crescimento do emprego formal e da renda dos trabalhadores aumentou a receita da previdência, o que indica o caminho a ser tomado para dar sustentabilidade ao sistema. Não é o corte de benefícios que dará esta garantia, é o crescimento do emprego.

Os indicadores da economia brasileira não indicam nenhum risco de perda de controle fiscal, da inflação e da taxa de câmbio. As reservas internacionais, se bem utilizadas, protegem contra qualquer risco de crise do Balanço de Pagamentos.

Então, qual o sentido de o BC iniciar um novo ciclo de alta dos juros a partir de setembro de 2024, se não há um choque inflacionário? Qual o sentido da principal política do governo ser o Novo Arcabouço Fiscal-NAF, que tem causado mais problemas do que soluções? Onde está o excesso de demanda com taxa de desemprego atual em 6% e quase metade da força de trabalho em emprego informal?

Onde está o descontrole fiscal? A dívida sobe por causa dos juros estratosféricos que, por ideologia, indicam que a inflação vai subir, quando nada indica isso. A elevação do juro indica que o risco aumentou. Mas qual risco?  O risco da desvalorização do real? Mas como foi analisado, o risco Trump parece estar se desvanecendo. Então, afinal, o que justifica os juros nas alturas?

Por que o temor do pleno emprego?

O pleno emprego pode ser alcançado por meio de políticas governamentais, como o aumento dos gastos públicos em investimento ou consumo, financiados por déficits fiscais. Isso pode ser feito sem ameaçar a estabilidade do sistema econômico, desde que a capacidade produtiva seja suficiente para atender à demanda gerada. Apesar da sua viabilidade econômica, a resistência política é significativa.

Os capitalistas temem que o pleno emprego enfraqueça seu poder político e social. Temem que o pleno emprego dê força para os trabalhadores negociarem com mais eficiência salários e condições de trabalho. Temem que o pleno emprego aumente a influência do Estado na economia, reduzindo seu poder. Estes temores estão escondidos sob o manto do temor de uma explosão inflacionária, mas, na verdade, serve apenas para esconder seus interesses na manutenção do poder.

Embora o pleno emprego possa gerar aumento da demanda e crescimento, ele cria tensões políticas e sociais que têm que ser enfrentadas, principalmente as políticas. Por essa razão, vê as políticas de pleno emprego como potencialmente insustentáveis sob o capitalismo, se não forem feitas mudanças estruturais mais amplas. As tensões entre as políticas fiscais expansionistas e os interesses dos capitalistas; a luta por maior equidade social e a luta por manter a desigualdade; esses conflitos é que estão por trás dos debates econômicos atuais.

Por isso, as propostas de aumento de impostos sobre os ricos para financiar políticas sociais e as políticas de impulso ao pleno emprego estão enfrentando resistência significativa no Brasil.

As declarações do ministro da Fazenda do governo anterior e do ex-presidente do Banco Central-BC, respectivamente Paulo Guedes e Roberto Campos Neto explicam claramente estas tensões:

O câmbio não está nervoso, (o câmbio) mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí. Vai passear ali em Foz do Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, está cheio de praia bonita. Vai para Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu, vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil. Está cheio de coisa bonita para ver — disse o ministro, durante um evento em Brasília.

A sinalização de pleno emprego no mercado de trabalho no Brasil “é uma grande surpresa”, mas traz uma preocupação sobre um eventual impacto de pressão inflacionária à frente, afirmou hoje o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante entrevista à CNN Brasil. Conforme o chefe da autoridade monetária, “outros países também passaram por isso, mas o Brasil foi uma grande surpresa”.

O comentário foi feito após o IBGE divulgar que a taxa de desemprego no primeiro trimestre deste ano ficou em 7,9%, a menor para o período desde 2014.

Se o governo quiser cumprir a sua promessa de botar o pobre no orçamento e não repetir os sucessivos voos da galinha, tem que romper com a ideia de que o ajuste fiscal e o aumento da taxa de juros vão gerar confiança e elevação do investimento privado e reduzir a inflação. Enquanto isso, os rentistas agradecem. A Faria Lima/Leblon sentem que a pressão funciona. O espaço para as operações financeiras de tesouraria aumenta.

Definitivamente essa não é uma estratégia de centro-esquerda democrática.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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