A reunião oficial dos líderes do BRICS esse ano ocorreu no Brasil, nos dias 6 e 7 de julho. Muitas reuniões preparatórias ocorreram ao longo do primeiro semestre, algumas poucas ainda ocorrerão até o final do ano, enquanto o Brasil passa a presidência pro tempore do BRICS para a Índia, sede do próximo encontro do grupo, agora ampliado por Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã e Indonésia, e chamado BRICS+. Além destes novos países, somam-se ao grupo na categoria de novos “países parceiros do BRICS”, uma nova categoria criada, Belarus (Bielorrússia), Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Nigéria, Malásia, Tailândia, Vietnã, Uganda e Uzbequistão. O grupo vai crescendo e se consolidando, como está sendo visto, inclusive com novos pedidos de adesão.

O Brasil, por ser o único membro pleno do BRICS no continente americano (agora a ele se juntam dois “países parceiros” na região: Bolívia e Cuba), durante todo esse ano, e especialmente depois da eleição e posse do presidente Trump, nos EUA, agiu de forma a não confrontar diretamente o novo governo estadunidense, em uma estratégia de minimizar a possibilidade de conflitos.

Desta forma, a presidência brasileira do BRICS em 2025 colocou como prioridades seis pontos que buscavam escapar de confrontação com o governo dos EUA. Esses pontos foram:

  • a. Reforma da Governança Global e Reforma do Sistema de Paz e Segurança, com Voz e Protagonismo para o Sul Global;
  • b. Cooperação Financeira, Monetária e Comercial, com Avanços na Arquitetura Financeira Global e Esquemas de Compensação Mútua de Créditos;
  • c. Clima, Desenvolvimento Sustentável e Transição Energética, envolvendo Financiamento Justo e Desenvolvimento e Transferência Tecnológica;
  • d. Cooperação em Saúde;
  • e. Ciência, Tecnologia e Inovação, em especial a Regulação da Inteligência Artificial;
  • f. Desenvolvimento Institucional do BRICS.

Mesmo estes temas, muitos deles bem brandos, acabaram envolvendo tensões com os EUA. Os mais supostamente tranquilos, como clima e saúde, se confrontaram com as posições do novo governo estadunidense de saída do Acordo de Paris e da Organização Mundial de Saúde. Sobre reforma da governança global e cooperação financeira, nem falar, os EUA não querem saber de qualquer coisa que cheire a multilateralismo, de um lado, e já ameaçou, inclusive com a sua sanha tarifária, qualquer coisa que cheire a reduzir o papel do dólar estadunidense como padrão financeiro internacional.

A questão da regulação multilateral da inteligência artificial choca com o desdém dos EUA em relação ao multilateralismo, e com os interesses das chamadas “big techs” (grandes empresas do setor de tecnologia) nesse setor. E finalmente, os EUA entendem o BRICS como um instrumento disponível para a China na disputa global pela hegemonia, razão em que qualquer possibilidade de desenvolvimento institucional do BRICS não é nem considerada. Assim, mesmo os seis pontos pensados para contornar eventuais situações de conflito foram entendidos como um chamado à disputa pelo novo governo dos EUA.

O documento final da reunião dos dias 6 e 7 últimos (a chamada “Declaração do Rio de Janeiro”, Comunicado Final da reunião de líderes, que assim como outros documentos aprovados) e busca navegar nesses mares bravios.

O documento abre defendendo o fortalecimento do multilateralismo e a reforma da governança global (ponto 5). A seguir (ponto 6), defende a reforma da ONU e mudanças em sua estrutura e funcionamento, aí incluído o Conselho de Segurança, onde Rússia e China explicitam seu apoio a que Índia e Brasil desempenhem um papel mais relevante (vale observar que o documento não explicita um consenso do BRICS quanto ao tema, e nem os dois que se manifestam, Rússia e China, falam abertamente em Índia e Brasil como membros permanentes e com direito a veto no Conselho de Segurança da ONU).

O texto fala ainda (ponto 10) das reformas das instituições de Bretton Woods (Banco Mundial e FMI), reforçando o papel dos países emergentes e readequando sua estrutura à nova realidade da economia internacional. Fala ainda na importante questão da participação das mulheres nos níveis gerenciais dessas instituições, onde até aqui desempenham papel proporcionalmente menor. Alguns pontos do documento são utilizados para aprofundar e detalhar algumas das críticas e propostas do grupo.

Depois, oito longas páginas são destinadas à questão da paz e segurança internacional, dos pontos 17 a 41. Esses refletem uma preocupação crescente do grupo, incluindo vários referentes a questões gerais, e outros relativos a questões de segurança bem recente que envolvem países do grupo (Rússia, Oriente Médio, Irã e Índia). Aqui, é provável que quanto mais o grupo se ampliar, essas questões ganhem relevância e apareçam nos documentos, apesar de não serem a prioridade do BRICS.

Os pontos seguintes, no bloco que vai dos pontos 54 a 80, sob o guarda-chuva “Aprofundando a Cooperação Internacional em Economia, Comércio e Finanças”, vários temas são tratados no atacado, entre eles a cooperação econômica, comercial e financeira entre os países do BRICS, o desenvolvimento sustentável, o Novo Banco de Desenvolvimento, os investimentos, cooperação interbancária (e transações em moedas nacionais), segurança de informações e tecnologia financeira, micro, pequena e médias empresas, compras governamentais, indústria e nova revolução industrial, economia digital, satélites e uso do espaço sideral, G20, endividamento, comércio eletrônico, agricultura e segurança alimentar, tributação, ciência, tecnologia e inovação, entre outros.

Os pontos seguintes (81 a 101) se referem a clima, desenvolvimento sustentável, justo e inclusivo, e trata desses temas, mas também de COP, segurança e transição energética, florestas e outros temas relacionados.

A seguir, são incluídos temas relativos aos direitos humanos na perspectiva do grupo, com ênfase para a crítica ao racismo, à defesa dos direitos das mulheres a partir dos trinta anos da declaração e plataforma de ação da Conferência da ONU em Pequim, de temas de saúde, educação e cultura, juventude, esportes, trabalho e participação setorial e social nos países do BRICS.

O texto final é amplo, muito amplo, e fala de muitas coisas. A ver, nessa conjuntura turbulenta, o que vai de fato avançar de tudo o que foi listado na reunião do Rio, que era para ser mansa, e no fundo foi ampla.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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