Basília é de boa com a vida. Não liga para muita coisa. Também não deseja muita coisa. Contenta-se com pouco e foge de qualquer coisa ou pessoa que ameace complicar sua vida. Foi por isso que deixou Thomas. Ele complicava tudo. Queria muito. Talvez fosse até meio doido. Basília levou até onde pôde, por acomodação, por ser de boas, por contentar-se com pouco e, naquele período, Thomas foi o pouco que estava bom na sua vida.

Maltratada, Basília sofreu ofensas e agressões da própria família. Mas nenhuma de suas tristezas lhe tirou a alegria ou a beleza. Talvez só tenha lhe dado algum molejo de amor, uma alegria capaz de lhe fazer rir de suas próprias mazelas. E tudo isso a deixou ainda mais bonita.

Talvez por isso tudo ela tenha suportado Thomas por tanto tempo. Arrogante, temperamental e, sobretudo, orgulhoso. Sujeito de uma soberba extrema. Coisa de quem se acha muito de tudo, apesar de, no fundo, viver perdido.

Apesar de ser só um pouco mais velho que Basília, Thomas aparentava uma diferença maior. Também teve seus sofrimentos. Diferentes dos de Basília, mas não menos tristes. Contudo, em Thomas o efeito foi diferente. Tornou-se belicoso. Aprendeu a bater por um medo imenso de apanhar. Bateu em muita gente. “Mas era gente má”, dizia ao se justificar. Até que bateu em Basília.

Às vezes, quem bate, de tanto bater, acaba se esquecendo do quanto dói apanhar. Doeu em Thomas quando Basília lhe largou. “Culpa dela!”, dizia para si mesmo e para quem lhe perguntava sobre a falta de Basília ao seu lado. Thomas sempre foi assim, nunca culpado por nada. Nunca assumiu nada que tenha feito, exceto quando o feito foi grandioso. Estes, não apenas assumia como ainda roubava o mérito alheio sempre que podia. Decidiu lidar com esta nova dor do jeito de sempre, atacando Basília.

Resolveu tirar-lhe algum dinheiro. Para tirar dela o que ele mais amava. Mas o mais cruel foi contar com os parentes dela para infernizá-la. Thomas sempre soube que havia na vida dela muita gente que dizia amá-la, mas que, na verdade, amava mais o dinheiro do que a ela. Elas a pressionariam a se humilhar para Thomas. A se entregar de corpo e alma para Thomas. Com parentes assim, Basília não precisa de inimigos.

Que família a de Basília! Egoístas, dissimulados, escandalosos, truculentos. Combinam mais com a arrogância pesada de Thomas do que com a alegria leve de Basília. São traidores da familia, da moral, da decência.

Mas Basília não perde sua alegria. Não deixa de estar de boa com a vida. Está acostumada com a vida sem grana. Acostumada até com a família que tem. Acostumada com as traições dessa gente que ama mais quem é de fora do que quem é da família. Que gosta mais de dinheiro do que de gente. Que não tem amor por nada, apenas interesses e desejos.

Basília não perde sua leveza. Ela é maior que Thomas. Maior que seus traidores. Maior do que todos eles.

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Ilustração: Mihai Cauli 
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