As autoridades norte-americanas estão correndo atrás de uma declaração de emergência especial do Congresso dos EUA para mascarar as ilegalidades das sanções contra o Brasil, que são eminentemente políticas e ideológicas.

A dívida pública bruta dos EUA atingiu a cifra de US$ 35,33 trilhões no exercício de 2024 (out/23 a set/24), correspondente a 99% do PIB. O déficit comercial de bens e serviços foi de US$ 918,4 bilhões, composto por um déficit de US$ 1.211,7 bilhões em bens e um superavit de US$ 293,3 bilhões em serviços.

Com o avanço de outras economias no mundo, como China, Índia, Rússia, Brasil, dentre outras, que têm conquistado uma crescente importância na ordem mundial em desenvolvimento científico, tecnológico, industrial, de serviços e no comércio externo, com perda de protagonismo pelos EUA, tornou-se imperioso para eles a reconquista de espaços perdidos no cenário internacional, principalmente para a China. A manutenção do dólar como moeda de referência do planeta é crucial para a continuidade do poderio norte-americano, principalmente no contexto da elevada dívida pública e do déficit comercial norte-americanos.

Os EUA não podem permitir que continue acontecendo a gradativa diminuição da dependência econômica do resto do mundo à sua economia. Para tanto, é necessário combater a crescente liderança da China no planeta, num mundo cada vez mais multipolar.

Urge, portanto, a retomada do protagonismo norte-americano no mundo. Daí, a estratégia do governo Trump de concentrar esforços com vistas à reindustrialização do país, o que implica no redesenho da economia doméstica e internacional com profunda revisão dos conceitos “erodidos” pelo neoliberalismo e globalização que, por décadas, foram as bandeiras norte-americanas. Agora, descartadas, trata-se de trazer de volta para os EUA os investimentos e a produção industrial e o domínio tecnológico. Daí a implementação de tarifas sobre importações do resto do mundo (em especial daqueles países superavitários no comércio com os EUA, criando uma proteção ao mercado interno), a desvalorização do dólar para fortalecer as exportações norte-americanas, a redução dos impostos para os empresários e investidores, o alongamento da dívida pública americana e a criação de um fundo de reserva composto por ouro, bitcons e outros ativos para proporcionar segurança à liquidez da economia.

Esses conceitos foram propugnados por Scott Bessent (Secretário do Tesouro) e por Stephen Miran (membro do Council of Economic Advisers) propondo que os EUA tenham um papel mais ativo no redesenho da ordem econômica internacional.

Resumidamente, o plano consiste em:

  • Plano 3-3-3: Meta ambiciosa de redução do déficit fiscal para 3% do PIB, crescimento de 3% a.a. e produção de petróleo de 3 milhões de barris por dia.
    Política Tarifária: Utilização de tarifas como instrumento diplomático e fiscal, implementadas gradualmente para minorar efeitos inflacionários.
    Reformas Reguladoras: Corte nas exigências bancárias e modernização do sistema financeiro.
    Gestão da Dívida: Planos para ajuste do perfil da dívida (US$ 3,4 trilhões de obrigações futuras), e potencial eliminação do teto da dívida.

O termo “Bessentonomics” vem ganhando boa aceitação no mercado por seu estilo “conciliante e fiscalmente conservador”.

Donald Trump não admite que o ex-presidente Bolsonaro venha a ser julgado e penalizado por tentativa de golpe de Estado por ocasião de sua derrota nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, o que considera uma “caça às bruxas”. Ele nunca poderia aceitar um tal julgamento que se aplicaria como uma luva a ele mesmo pela sua participação na invasão do Capitólio, quando perdeu as eleições para Joe Biden.

Tampouco aceita qualquer interferência da Justiça brasileira no funcionamento das Big Techs norte-americanas que operam no Brasil. Entende, equivocadamente, que tais coibições judiciais a injúrias, calúnias, difamações e fake news se consistiria em censura a redes sociais dos EUA.

Não engole a participação brasileira nos BRICS, em especial quando se apregoa a desdolarização do comércio e das transações financeiras internacionais.

Considera o Brasil um país protecionista, com práticas desleais no comércio internacional (barreiras alfandegárias, sistema de pagamento PIX em prejuízo dos sistemas de pagamentos norte-americanos, demora no licenciamento de patentes, contrabando, desmatamento ilegal, mercado de etanol, etc.).

Entende que o processo da Lava Jato foi equivocadamente desmontado e atribui a esse fato um suposto descontrole da corrupção, apesar de ter eliminado a aplicação das regras da FCPA (Foreign Corrupt Practices Act) para atuação do seu próprio país no exterior.

Por força de tais entendimentos, e apesar da não existência de um déficit comercial com o Brasil, decidiu tarifar todas as exportações brasileiras para os EUA em 50% caso o Brasil insista em dar continuidade ao processo judicial contra Jair Bolsonaro. Tal decisão está sendo questionada por senadores democratas de abuso de poder e estabelecimento de guerra comercial contra o Brasil por razões políticas, em prejuízo das famílias americanas.

Daí a premente necessidade de o governo Trump buscar uma base legal para impor as sanções, que seriam formalizadas através de uma Declaração de Emergência pelo Congresso dos EUA para o caso do Brasil, respaldada nas supostas práticas desleais de comércio.

No exercício de 2024, as exportações totais de bens do Brasil para o resto do mundo alcançaram a cifra de US$ 337 bilhões, o que contribuiu para um superavit na balança comercial do nosso país de US$ 74,6 bilhões.

No mesmo período, o comércio total de bens entre Brasil e EUA atingiu cerca de US$ 80,9 bilhões sendo US$ 40,6 bilhões de exportações americanas para o Brasil e US$ 40,3 bilhões de exportações brasileiras para os EUA (12% das exportações totais brasileiras e menos de 2% do nosso PIB). Já na conta de serviços (transporte, viagens, aluguel de equipamentos, propriedade intelectual e telecomunicações, plataformas digitais, etc.) o déficit brasileiro com os EUA foi da ordem de US$ 23,1 bilhões; isso sem contemplar remessas líquidas de juros, lucros e dividendos em favor dos EUA.

Nos últimos 15 anos, o Brasil registrou um déficit de aproximadamente US$ 410 bilhões em bens e serviços com os EUA e, portanto, nem de longe, esperava sofrer uma sanção tarifária de 50%.

Nossa pauta de exportações com os EUA é bem diversificada, incluindo manufaturados e produtos intermediários, com algum valor agregado.

Categoria Valor (US$ bi)
Combustíveis e derivados 7,96
Ferro e aço 5,72
Máquinas e caldeiras 3,65
Aeronaves e espaçonaves 2,69
Café, chá, erva-mate e especiarias 1,94
Celulose e materiais fibrosos 1,69
Madeira e carvão vegetal 1,62
Equipamentos elétricos e eletrônicos 1,41
Produtos alimentícios vegetais 1,25
Carnes e miudezas 1,07
Diversos 11,3

Segundo a CNA (Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil), o agronegócio poderia sofrer uma perda de até US$ 5,8 bilhões no caso extremo da tarifa de 50% ser integralmente repassada ao consumidor final norte-americano. Lançando mão de análises de sensibilidade a partir da elasticidade preço da demanda por cada produto, a previsão é de que ocorra, ainda em 2025, uma queda de 48% nas exportações brasileiras de produtos agrícolas em comparação com 2024. As exportações de suco de laranja seriam inviabilizadas, as de açúcares de cana sofreriam uma queda de 74%, as de carnes bovinas uma queda de 47% e as de café uma queda de 25%.

Para 2026, os impactos deverão ser menores, pois, até lá, os setores agrícola e industrial teriam mais tempo para redirecionar suas exportações para outros mercados. Há que se ter presente, também, que alguns dos produtos exportados, em especial os manufaturados, como é o caso dos laminados de aço e alumínio, fazem parte de cadeias produtivas que não permitem sua substituição instantânea, o que obrigará as partes envolvidas a reajustarem seus preços, acomodarem suas margens de lucro e comissões de venda para a viabilização da continuidade de suas produções.

A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE) cujas associadas venderam 29% de suas exportações para os EUA (US$ 1,1 bilhão) solicitou ao governo brasileiro a suspensão de impostos e a criação de linhas de crédito emergenciais para o setor (BNDES e FINEP).

Segundo o Diretor Executivo do Brasil no FMI, André Roncaglia, o tarifaço não terá um impacto muito significativo no Brasil em virtude da nossa baixa exposição ao mercado norte-americano.

Interesses econômicos setoriais, embora legítimos, não podem se sobrepor à necessidade de defesa da soberania do país. A situação exige um posicionamento firme e estratégico do Brasil através de:

  • Apoio institucional aos setores prejudicados, em especial os setores de bens perecíveis e pequenas empresas, através de subsídios, linhas de crédito, apoio comercial para conquista de novos mercados e ações conjuntas com parceiros comerciais nos EUA prejudicados pelas tarifas.
  • Ações diplomáticas junto a organizações multilaterais e a consumidores e empresas importadores dos EUA.
  • Fortalecimento de ações junto a parceiros do Brics e de outros blocos visando ações conjuntas contra as sanções.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  Revisão: Celia Bartone
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