A essa altura, passados seis meses do início do mandato, abundam os que se perguntam se as desarrazoadas medidas decretadas por Trump não podem produzir resultados positivos na economia do Império.  E depois,  ele vai voltar sua artilharia na direção das instituições de seu próprio país?

I

A pergunta não é o que poderia parar a blitzkrieg de Donald Trump contra a estabilidade do comércio mundial para reconstruí-la nos marcos da ganância Imperial, até onde pode chegar ou quanto tempo vai durar. O que já deveríamos estar nos perguntando é: qual será a próxima fase, não apenas da guerra tarifária (melhor será batizá-la de terrorismo tarifário), mas sobretudo quais serão os novos alvos? E, quando consolidado esse avanço e, para surpresa de mil em cada mil analistas econômicos, sua política começar eventualmente a dar frutos, Trump voltar sua artilharia na direção do seu próprio país, para o que possa haver de decente nas mais solidificadas instituições e tradições americanas?

Que o presidente americano está disposto a entrar para a história como o maioral, o senhor dos céus e da Terra, mesmo que para isso tenha que revirar inclusive as camadas mais profundas do solo pátrio, numa espécie de reação termidoriana, disso ninguém duvida. Quando e se acontecer, obviamente não será para melhor – não pelo menos para qualquer resquício de civilização moderna que por acaso reste naquela sociedade, muito menos para os desfavorecidos.

A essa altura, passados seis meses do início do mandato, abundam os que se perguntam se as desarrazoadas medidas decretadas não podem, pelo menos num primeiro momento, produzir resultados positivos na economia do Império e, como consequência, para a imagem do seu criador. Aqui e ali as imposições americanas começam a ser aceitas e acordos estão sendo fechados – Filipinas, Indonésia e Japão (logo após a assinatura, ou capitulação, como alguns estão chamando, a bolsa da quarta maior economia do planeta subiu espantosos 4% – o que pode ser um sinal de que o acordo não é assim tão desvantajoso para os nipônicos, mas pode também não significar absolutamente nada, além de um aumento repentino no índice Nikkei).

Agora, também a tradicionalmente submissa União Europeia sob a liderança dos Populares dá sinais de aquiescência a uma taxação de 15% para seus produtos entrarem no mercado estadunidense. Uma enxurrada de críticas contra a negociadora chefe, a presidente da Comissão Europeia e líder do bloco da direita no Parlamento Europeu, a sra. Ursula Von Der Leyen, vem se avolumando desde que o pacto veio a público, escancarando, esse sim, uma brutal capitulação. Nas palavras sempre elegantes do primeiro-ministro húngaro, o ultradireitista Victor Orban: “O presidente Trump não fechou um acordo com Ursula von der Leyen. Donald Trump jantou a Von der Leyen”.

Não sou economista, não saberia sequer imaginar quais as possíveis consequências desses acordos para a economia de cada um dos signatários, a norte-americana e a mundial como um todo, e ainda não vi o que os especialistas estão dizendo de diferente daquilo que disseram nos primeiros momentos da arrancada, se é que estão se arriscando a emitir novos prognósticos. Mas politicamente, se esses pactos se consolidarem e novos acordos forem sendo firmados na sequência, e um país após o outro seguir sendo capturado pela trama trumpista, a consequência inevitável será a colocação de ainda mais louros sobre a dourada cabeleira do Imperador – e, é claro, mais combustível para suas máquinas de guerra. O ataque seguirá de vento em popa. A pergunta, então, será: haverá um inverno russo para deter a infinita ambição imperial?

II

Pode ser, no entanto, que o calcanhar de Aquiles não venha dos ventos gelados que sopram das planícies siberianas, mas sim do mais cálido dos seus ambientes, os tribunais de Nova York, onde estão guardados os arquivos secretos do caso Jeffrey Epstein. Quando o odor se espalha, o faro dos caçadores se aguça e a perseguição se inicia. É possível – e dado o poder do animal na mira, a essa altura até provável – que a captura acabe não acontecendo. Já não há pitonisas e ninguém que saiba prever o futuro. Muitas vezes, por conveniência, os cães são chamados de volta, interrompendo a busca quando a fera já estava acuada, prestes a ser capturada ou abatida – também as leis da caça são determinadas pela política.  Por essa ou outras razões, pode dar em nada. Há nesse momento um jogo de gato e rato entre os principais interessados na refrega e nas possibilidades de desdobramento que ela contém. Seja como for, uma nuvem negra paira sobre a cabeça de Trump. Até setores menos submissos dos Republicanos estão chiando e dando sinais de insatisfação.

Durante quase todos os dias da semana de 20 a 25 de julho, o New York Times publicou no alto da sua primeira página matérias sobre o caso, no que foi sendo acompanhado com intensidade crescente por outros grandalhões da imprensa americana e mundial. Não é, evidentemente, por conta do suicida que o assunto voltou às manchetes. É o bom nome ou a má fama do Presidente que está no centro das expectativas. Até que ponto o esposo da sra. Melania Trump está metido no lodaçal da pedofilia e exploração sexual promovido pelo casal Epstein e Ghislaine Maxwell? O todo-poderoso homem de negócios à época dos crimes e agora presidente pode ser abatido não pela guerra comercial que provocou e comanda, mas noutra das frentes onde viveu parte de sua existência, o submundo das taras (e isso não nos interessa) e dos abusos de toda natureza, entre os quais o abuso sexual de menores (que é crime), dos seus irmãos de classe.

Uma mescla de puritanismo e hipocrisia temperada por uma prodigiosa elasticidade moral conduz o espírito profundo do país trumpista. Um breve regresso aos anos 1990 e ao caso Monica Lewinsky revela como funciona essa miscelânea. Bastou uma simples fellatio para abalar momentaneamente a carreira de um presidente com enorme capacidade de seduzir o grande público, quase o colocando contra as cordas. O que o salvou, nas palavras do seu estrategista de campanha James Carville, foi “a economia, idiota!”. O suposto desvio comportamental de Bill Clinton, no entanto, é coisa de jardim de infância se comparado à comprovada intimidade entre o atual presidente e o casal Epstein.

Numa sociedade que se guiasse minimamente por padrões de decência os mais básicos a mera existência dessa relação já seria suficiente para danificar a reputação (ou a imagem) de qualquer cidadão, quanto mais daquele que pretende dirigir os destinos do mundo. Durante anos e anos, Jeff e Donald partilharam gostos e prazeres, até que numa disputa comercial Donald teria passado a perna em Jeff, ou vice-versa, o que teria levado ao afastamento. Numa entrevista em 2002, dois anos antes da trapaça contra o amigo, Trump disse:  “Conheço Jeff há 15 anos. É um cara ótimo. É muito divertido estar com ele. Dizem que ele gosta de mulheres bonitas tanto quanto eu — e muitas delas são bem jovens.” O problema, para o presidente, é que pode haver algo mais a esconder, além da existência de uma simples e antiga amizade impudica. Segredos que podem trazer doses extras de estupor às conversações noturnas dos lares americanos. O humor das gentes, como se sabe, se move muito mais por insondáveis pulsões que por critérios estáveis de moral e decência.

Que outra razão haveria por detrás da decisão do presidente ao acionar o aparato judicial do seu governo para impedir que os arquivos secretos venham à tona? Pode ser apenas jogo de cena, não há dúvidas. O mundo de Trump é o mundo da encenação e da pura aparência – que precisam ser mantidas ao preço de que se desfaça como um castelo de areia. Mas pode ser também que naqueles arquivos existam revelações cabeludas, capazes de provocar revoltas, pelo menos por algumas horas ou uns tantos dias, na volúvel consciência dos seus concidadãos. Ainda assim, será suficiente para abalar a blitzkrieg imperial?

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  Revisão: Celia Bartone
Clique para ler “O golpismo eterno“, de Carlos F. Guazzelli.