Nos EUA, as megaempresas de tecnologia chamadas de Sete Magníficas apresentaram, no mês passado, bons resultados financeiros bimestrais, enquanto o presidente Trump anunciava mais uma rodada de tarifas sobre exportações de bens de outros países. Embora o mercado acionário continue pontuando alta histórica, grande parte do setor corporativo da maior economia do planeta luta contra a desaceleração dos lucros e a incerteza gerada pela agressiva guerra comercial imposta pelo governo de plantão. As grandes empresas aliadas do governo americano hoje são as Big oil, Big techs e Big finance.
Para uma melhor compreensão do estágio atual do processo de acumulação de capital no mundo, usarei os dados produzidos pelo Instituto Latino Americano de Estudos Socioeconômicos – ILAESE que revelam, por exemplo, que 40% da Receita Líquida das 500 maiores empresas de nosso planeta estão sob o controle dos Estados Unidos da América, contra 20% controlados pela China, sete por cento sob o controle do Japão, igual percentual com a Alemanha, 5% sob o controle da França, 4% com a Grã-Bretanha e 2% sob o controle da Coreia do Sul. O Brasil tem só 0,5%.
O pensamento predominante na elite dirigente americana hoje é de cunho militar, onde economia é guerra e estratégia. Por outro lado, na base desse comportamento do presidente Donald Trump está a teoria da Escolha Pública, aquela que advoga o retorno do capitalismo sem freios, incontrolável e sem limites legais, na forma de liberdade plena ao direito de propriedade numa sociedade hierárquica e piramidal, portanto meritocrática. Nessa sociedade predominaria a formação de uma camada tecno-burocrática dirigindo seus destinos e forte resistência às normas jurídicas defensoras de direitos civis e humanos, bem como tradicionalismo cristão e combate feroz ao welfare state.
O tarifaço tem diferentes versões. Contra a China – que lidera a produção industrial e a geração de tecnologias de ponta – o bloqueio de compras no mercado americano forçou o governo chinês a subir salários e fortalecer o mercado interno. Aquele país asiático projeta 750 milhões de pessoas na classe média nas próximas décadas, o que representa demandar importação crescente de alimentos, produtos minerais e petróleo.
Contra a Rússia, tivemos bloqueio do SWIFT para acesso ao dólar em transações financeiras, além de bloqueio comercial e sequestro de contas e bens no exterior de oligarcas russos. Isso forçou o Kremlin a responder com forte processo de substituição de importações, busca de novos parceiros comerciais, tornando o rublo (sua moeda) responsável por 80% das transações com o exterior. Forte produtor de petróleo, o país estreitou laços com a China e apresenta forte recuperação econômica.
Com a União Europeia, o grande interesse é vender energia e armamentos, através de seu complexo industrial-militar. A título de ilustração, basta ver que a projeção é aquela importante região gastar, anualmente até 2030, 5% do PIB em armamentos. Isso daria um montante de US$ 1,5 trilhão, dos quais somente da Alemanha seriam cerca de US$ 250 bilhões. Para garantir esse gasto crescente, os líderes europeus projetam expressivos cortes no gasto social e nas aposentadorias. Isso deve resultar em fortes turbulências políticas num futuro próximo.
Para o Brasil, a versão mais atualizada revela que 36% dos produtos vendidos externamente serão afetados, notadamente café, pescados, mel, carne, ovos, etanol e produtos siderúrgicos. Cabe aqui registrar, que 1/3 das exportações brasileiras para os EUA são oriundas de empresas americanas sediadas no Brasil. A tarifa média, que até no ano passado era de aproximadamente 2% subirá para algo próximo a 30%, muito acima da média mundial que vai ficar entre 15 e 20%. É razoável supor que a burguesia historicamente associada ao capital americano vá buscar alguma compensação do orçamento público para manter a lucratividade perdida. Vale conferir!
Diante da aliança, que predomina desde 1994, entre agronegócio, mineração, grande comércio varejista/atacadista e finanças, que juntos capturam o fundo público na forma de isenções fiscais de 800 bilhões de reais anuais e 1 trilhão de juros da dívida pública no orçamento federal, o governo de plantão pouco pode fazer nesse processo de intensificação da concorrência interestatal e empresarial, em escala nacional e internacional. Medidas como aquisições de alimentos, preços mínimos e algum subsídio devem ser colocadas em prática, sem, contudo, mudar o curso da história, a exemplo do que ocorreu no período getulista, onde uma forte industrialização teve início, com uma conjuntura de fortes restrições a nossos produtos de exportação – notadamente o café.
Trump, claramente, vai produzir inflação no seu país e empobrecimento da classe média americana. Os preços altos vão desvalorizar a volumosa dívida pública, concentrar ainda mais a renda e o patrimônio, na medida em que serão rapidamente incorporados nos lucros dos grandes conglomerados financeiros do país mais importante do planeta. Enfim!
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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