Entramos há algum tempo em uma conjuntura de rápidas modificações no cenário internacional. Desde a crise econômico-financeira de 2007/2008, entramos em um desses cenários em que a história parece se acelerar, e acontecimentos recentes parecem ter acontecido há uma eternidade. Faz cinco anos, por exemplo, da grave crise da pandemia de Covid-19, e tanta coisa já aconteceu desde então que aquele mês de março de 2020, quando o mundo praticamente parou face à grave crise de saúde que ocorria, já ficou muito para trás.

Estamos em um cenário acelerado de mudanças. A principal delas, depois de décadas de hegemonia dos EUA, um período de disputa hegemônica no cenário internacional, no qual a China aparece disputando protagonismo. Esse processo gera uma série de instabilidades, como em outros momentos no passado em que tivemos esse tipo de disputa. Como se convenciona dizer, é o momento em que “placas tectônicas” se deslocam, e isso gera um processo de tensões e fricções. Guerras, entreveros, disputas, realinhamentos e busca de opções são frequentes em um cenário como esse. Vale também observar que esses últimos 15 anos também são um período de mudança tecnológica acelerada, no qual a tal Indústria 4.0 e a inteligência artificial são apenas algumas das mais evidentes, sendo as possibilidades da última, que estão ainda em discussão, mas avançando rápido, chegando a ser assustadoras.

Momentos como esse no cenário internacional abrem possibilidades. Em outros episódios da história, de transição de hegemonia, o Brasil buscou de alguma forma se aproveitar do cenário, através de projetos de longo prazo que buscavam alterar estruturalmente o país. Assim foi, por exemplo, com o cenário que vai da crise de 1929, passando pela Segunda Guerra Mundial, até a reconstrução do pós-guerra e os anos 1970, quando o país seguia calcado em uma ideia de força (que pode evidentemente ser discutida e criticada, mas que empolgou gerações de brasileiros de quase todos os matizes do espectro ideológico). A visão era a de que a modernização do país se apoiaria em dois pilares, a urbanização e a industrialização. A partir dessa bússola, o Brasil foi aproveitando oportunidades e brechas do sistema internacional para, mesmo em meio a disputas fortes dentro do país, avançar nessa direção. Muito do que ainda temos hoje, construções ou mazelas, são desse período. As novas mudanças abrem para o país algumas possibilidades, mas também alguns perigos.

Um dos principais riscos é que a potência internacional que está perdendo espaço são os EUA, que sempre consideraram geopoliticamente que a América Latina, onde o Brasil é o maior país nos aspectos geográfico, econômico e populacional, é sua área de influência natural, desde as formulações iniciais daquele país, no Século XIX. Assim, se no passado esse tipo de formulação permitiu ao Brasil ganhar espaço frente à hegemonia inglesa, atualmente aparece como um aspecto desconfortável nesse momento de transição.

Por outro lado, a posição do Brasil na geopolítica internacional lhe garante alguma vantagem. Bem relacionado com a América Latina, a África, os países europeus, vários importantes países da Ásia, em especial no Oriente Médio, e também Índia e Indonésia, a Rússia e, em especial, a China, o país encontra um bom espaço para transitar sua política em busca de espaços de articulação, e também aliados econômicos. O Brasil também tem um enorme passivo com sua população mais pobre, grandes carências na área social (saúde, habitação, educação, transporte, saneamento, medidas ambientais, geração de renda, desconcentração da propriedade da terra, e muitas áreas de infraestrutura). Tais necessidades abrem um enorme espaço de crescimento ao país enquanto busca um reposicionamento face ao sistema internacional, bastando se afastar das amarras fiscais, criadas por sua elite rentista, para tocar um processo de transição nacional rumo a uma sociedade mais justa e menos desigual.

Portanto, existe um enorme espaço para seguir adiante, enquanto se ganha tempo para entender e agir no cenário internacional que vai mudando. O grande problema é que não temos hoje, como tivemos no passado, um projeto de país baseado em algumas ideias simples, como o ataque à pobreza e à desigualdade, por exemplo, que possa empolgar as gerações de brasileiros rumo ao futuro. Ao contrário, temos um país em disputa, e uma disputa de poder de muito curto-prazo.

Essa é um pouco a conjuntura em que nos mexemos no mundo e no país. Entender esse cenário e buscar agir nele, procurando aproveitar as possibilidades que se abrem para um projeto de futuro, é politicamente fundamental. Assim como compreender os riscos a que estamos submetidos, pela articulação de forças internas e externas que buscam afastar o Brasil de suas possibilidades de um desenvolvimento alternativo.

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Ilustração: Mihai Cauli
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