No último artigo, falamos sobre a bandeira da soberania, que o atual governo dos EUA, com Trump, estava entregando para o atual governo brasileiro, de Lula, quase nas vésperas da eleição no Brasil. Não é uma bandeira pequena, e pode impactar na campanha, aliás como o Trump conseguiu impactar negativamente seus candidatos mais próximos em algumas eleições recentes pelo mundo.
A conversa agora é nacional. Exatamente quando o governo Lula cresce nas pesquisas de opinião, os setores da direita aqui no Brasil resolvem entregar duas bandeiras poderosas ao candidato Lula e às forças que desde sempre o apoiam mais de perto.
A primeira delas trata da resistência ao golpismo e da defesa da democracia, colocadas em tela pela insistência de setores bolsonaristas no Congresso (que vão muito além do PL) em anistiar seu principal líder, o ex-presidente Jair Bolsonaro, e alguns de seus operadores mais próximos, vários deles de alta patente militar, da tentativa de golpe contra a democracia e vários outros crimes (reparem que não estou me referindo à anistia dos “bagrinhos” de 8 de janeiro, porque evidentemente não é disso que se trata).
Esses setores não querem deixar aparecer nenhum outro líder, preferem fazer todo o possível para viabilizar Bolsonaro candidato, mesmo tendo que passar por cima da lei. Ainda que tenham que aceitar ir com outro candidato nas eleições do ano que vem, como o atual governador paulista, esses setores colocam o perdão a Bolsonaro como o primeiro ponto de programa do candidato apoiado por eles, o que significa que desde o primeiro momento de uma eventual vitória, estarão nas ruas pedindo antecipação de novas eleições com Bolsonaro podendo concorrer, desmoralizando desta forma o candidato que apoiaram.
Nessa insistência, forçam setores que orbitam em torno do bolsonarismo a aceitarem a “naturalidade” da tentativa de golpe de Estado, assumindo-se na prática como pouco preocupados com a democracia no país. Assim, a bandeira da defesa da democracia no país fica exclusiva da candidatura Lula neste momento.
A segunda é a bandeira da moralidade. O tal Centrão aprovou a PEC da Blindagem, conectada à proposta de anistia a Bolsonaro e que o povão já reconhece correntemente como “PEC da Bandidagem”. Para tentar salvar a pele, esses parlamentares propõem que qualquer processo contra os parlamentares tenha que ser aprovado por seus pares no Congresso. Como todos sabem, temos um Congresso ultra corporativo, em que seus membros em geral se autodefendem em questões judiciais. Assim, de fato, eventuais bandidos identificados entre os parlamentares em atividades criminosas só poderiam ser processados e julgados com autorização da maioria de seus pares (nisto consiste a tal blindagem). E isto em um momento em que dezenas de parlamentares se sentem ameaçados pela Polícia Federal e por juízes do STF, pelo encaminhamento de emendas orçamentárias sem muito controle, para dizer o mínimo. Ao se postar em defesa da situação atual e repudiar a blindagem dos parlamentares por essa proposta, a esquerda recupera para si a bandeira da moralidade.
Não é pouca coisa ter bandeiras importantes e que a princípio não são necessariamente de esquerda ou de direita (moralidade e defesa da democracia). Aliás, o retorno dos setores progressistas às ruas de forma massiva no último domingo mostrou isso, em uma manifestação política convocada em poucos dias, e para cidades em todo o país. Possivelmente, a discussão na outra casa do Congresso, o Senado, já vai ser diferente, pela massa nas ruas. Enquanto deputados podem ser eleitos por “nichos eleitorais” (voto localizado), os senadores dependem do voto majoritário para a sua eleição, não podendo afrontar o senso comum do eleitorado.
De qualquer forma, a rua em disputa, agora com o protagonismo progressista, mostra que por esse caminho os conservadores, hoje majoritários no Congresso, podem entregar a rapadura, e perder não apenas as eleições presidenciais, como a vasta maioria parlamentar que têm hoje. Mostra também a muitos setores progressistas que optaram na semana passada por negociar e fazer concessões nas votações na Câmara, que a opção hoje deve ser menos por concessão nas votações, e mais por pressão das ruas. As concessões nas votações não levaram a lugar nenhum, de fato, e a pressão nas ruas emparedou nesse momento o Centrão e o bolsonarismo. É possível, inclusive, que no processo de discussão a partir de agora, este setor comece a se dividir, em nome de algum pragmatismo eleitoral.
Estamos só começando o processo eleitoral do ano que vem, mas não é pouco que os setores progressistas estejam com as bandeiras da defesa da soberania, a defesa da democracia e a defesa da moralidade. Já é um conjunto de ativos importantes para a disputa de 2026, não só nas disputas majoritárias, como também nas disputas proporcionais.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Leia também “PEC da Blindagem, PL da anistia e memória curta”, de Maurício Rands.