É uma forma de transformar o silêncio em memória e memória em compromisso com a democracia. (Vereadora Maíra do MST/PT-RJ)
Ainda estamos aqui, vivendo sob as sombras de um passado que insiste em se fazer presente. O Estado brasileiro, fundado sob as marcas da violência contra o povo negro e os povos indígenas, tem uma dívida com sua memória. O Rio de Janeiro ocupa um lugar particular nessa história: aqui, construíram-se os principais instrumentos de violência estatal. Os anos da ditadura militar, em especial, deixaram marcas profundas, visíveis nas ruas dessa cidade. É urgente, portanto, que o município do Rio incorpore políticas públicas de memória.
A partir dessa compreensão, como vereadora, militante do MST e historiadora, tive o dever de protocolar o Projeto de Lei 437/2025, que institui o Programa Memória, Verdade e Justiça. Porém, esse PL não partiu unicamente deste mandato, mas considerou todo o acúmulo político dos movimentos sociais, coletivos e entidades da sociedade civil que constroem a luta por memória, verdade e justiça há décadas, além do arcabouço científico produzido nas universidades brasileiras, sobretudo no campo da História Oral.
Como ilustração, o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (2014) revelou com precisão o horror sistemático cometido pelo Estado brasileiro: 377 agentes identificados como responsáveis diretos por graves violações de direitos humanos, 434 pessoas mortas ou desaparecidas, e apenas 33 corpos localizados até hoje. Por trás desses números – ainda distantes da realidade – estão vidas interrompidas, famílias devastadas e histórias que o silêncio oficial tentou e, por vezes, conseguiu apagar. Essa documentação ainda é fundamental para reafirmar que os porões não se limitaram à urbanidade: também atingiram camponeses, trabalhadores e trabalhadoras rurais que lutavam pela democratização da terra.
Todavia, passados 40 anos do fim da ditadura, inúmeros cariocas ainda desconhecem os pontos de memória daquele período. Identificar, destacar e nomear tais espaços garante a história que consequentemente nos auxilia na construção de identidade e dos nossos valores democráticos tão urgentes e necessários em nossa atualidade.
Em sua concepção, o programa visa identificar, em todo o município, locais que serviram à repressão política durante a ditadura – marcadamente, entre 1964 e 1985. Sendo um programa, pode congregar diversas iniciativas, como os circuitos culturais, sinalizações públicas, ferramentas de comunicação e muito mais. Então, trata-se de um passo fundamental para que o poder público construa, efetivamente, uma política de memória, construindo uma nova história para nossa cidade.
Numa conjuntura marcada por novas tentativas de golpe e de anistia, rememorar a nossa história não é revanchismo, mas um imperativo da luta democrática. Vivemos um momento ímpar em nossa história, em que pela primeira vez um presidente golpista e militares de alta patente foram julgados e condenados por seus crimes contra a democracia. Então, precisamos que essa janela histórica que foi aberta não se feche, mas que se construam políticas efetivas de memória, verdade e justiça, para que não se esqueça e nunca mais aconteça.
O Programa Memória, Verdade e Justiça Carioca é uma de muitas iniciativas que respondem à necessidade de preservar a memória como um instrumento de formação cidadã. As e os cariocas, os turistas, todas e todos que passam pelas ruas do Rio de Janeiro têm o direito e o dever de saberem em quais esquinas a ditadura deixou cicatrizes que machucam a democracia até hoje. Por isso, afirmamos: liberte o grito dos muros! Memória é compromisso com o futuro.
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Gostaria muito de contar com sua assinatura neste abaixo-assinado. O site pra assinar é esse: mairadomst.com.br/liberte-o-grito
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Edição /Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
Leia também “Ainda estou aqui – cinema com história“, de Janice Theodoro da Silva.
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NR: Mihai Cauli editou as fotos de alguns destes lugares de memória da Cidade do Rio de Janeiro.
Atual prédio do 1º Batalhão da Polícia do Exército, onde durante a Ditadura esteve instalado o DOI-CODI do Rio de Janeiro, rua Barão de Mesquita, Autor: Junius. 20/01/2009. Fonte: Memórias da Ditadura.
A antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Lapa, centro do Rio.
Foto: Tânia Rêgo, reportagem de Cristina Indio do Brasil., 11/03/2024. Fonte: EBC
Interior do DOPS/RJ, na rua da Relação, Lapa, Rio de Janeiro.