Se levado adiante, Gaza deixará de ser símbolo do massacre e genocídio para se tornar um condomínio global.
Da destruição ao negócio
A destruição de Gaza ainda não terminou e nos bastidores já se desenha um projeto que transforma tragédia em oportunidade. Donald Trump e aliados políticos em Israel tratam a reconstrução do território não como reparação, mas como negócio. Expressões como “bonança imobiliária”, “divisão do mercado de terras” e “Riviera do Oriente Médio” são a ideia de quem decide o futuro da Faixa.
Trump tem um plano para “tomar o controle administrativo” de Gaza e transformá-la em polo turístico e comercial. O projeto prevê a criação do Great Trust (Gaza Reconstitution, Economic Acceleration and Transformation), fundo que captará capital privado para reconstrução em troca de participação em empreendimentos futuros. Gaza, reduzida a escombros, seria reerguida como ativo rentável para investidores estrangeiros.
Trump e Kushner: negócio em família
A lógica empresarial vem do topo da cadeia produtiva (literalmente). Trump, incorporador de carreira com histórico de litígios por fraudes e falências estratégicas, descreveu Gaza como terreno fértil para “um projeto urbanístico moderno” e “um polo turístico de primeira linha”. Seu genro e conselheiro, Jared Kushner, herdeiro da Kushner Companies, classificou Gaza como “propriedade à beira-mar extremamente valiosa” e sugeriu que “parte da população poderia ser temporariamente relocada para que o território fosse limpo e reconstruído sob uma nova lógica urbana”.
Kushner não chega a essa negociação com ficha limpa. Em 2021, um tribunal de Maryland concluiu que empresas ligadas a ele cobraram “taxas enganosas” e despejaram ilegalmente inquilinos. No ano seguinte, pagou US$ 3,25 milhões para encerrar outra ação por práticas predatórias. O caso mais rumoroso envolveu o arranha-céu 666 Fifth Avenue, cuja dívida bilionária levou Kushner a buscar capital de fundos estrangeiros — inclusive do Catar — enquanto atuava como emissário diplomático da Casa Branca.
Com histórico de confundir política e negócios, Trump e Kushner transformam Gaza em extensão daquilo que sempre fizeram: empreendimentos lucrativos sobre terrenos em crise.
Negociadores ou incorporadores?
Não por mera coincidência, Trump escalou para negociar “a paz” em Gaza figuras que vêm do setor imobiliário. Steve Witkoff, fundador do The Witkoff Group, foi nomeado enviado especial para o Oriente Médio e visitou Gaza como parte do planejamento da reconstrução. Sua experiência em transformar bairros degradados em zonas de luxo o coloca no centro do que muitos já chamam de “recolonização imobiliária”.
Outro nome-chave é Tom Barrack, fundador da Colony Capital e atual embaixador dos EUA na Turquia. Em 2022, Barrack foi acusado de atuar como lobista de governos estrangeiros para facilitar investimentos – o que ilustra a interseção perigosa entre poder político e interesses privados. Fundos como o seu buscam ativos desvalorizados e concessões de longo prazo – exatamente o que Gaza destruída oferece.
Quando os responsáveis por negociar a paz são também potenciais beneficiários da reconstrução, o conflito de interesses deixa de ser exceção e vira método.

Desenho: Paulo de Tarso Riccordi
Netanyahu e Smotrich: a cumplicidade local
Nenhum projeto desse tipo avança sem a anuência de quem controla o território. E o governo israelense não tem escondido seu entusiasmo. Em 17 de fevereiro de 2025, Benjamin Netanyahu declarou à Al Jazeera: “Israel está comprometido com o plano do presidente dos Estados Unidos para a criação de uma Gaza diferente.”
Em 29 de setembro de 2025, ao lado de Trump em Tel Aviv, foi ainda mais explícito: “Eu apoio seu plano para encerrar a guerra em Gaza. Ele trará de volta todos os nossos reféns, desmantelará as capacidades militares do Hamas, encerrará seu domínio político e garantirá que Gaza nunca mais represente uma ameaça a Israel.”
Netanyahu também endossou a ideia de deslocamento dos palestinos. Em entrevista à Fox News em 5 de fevereiro de 2025, afirmou: “Eles podem sair e depois voltar… mas é preciso reconstruir Gaza.”
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política.
Ilustração: Mihai Cauli Revisão: Celia Bartone
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