Durante a megaoperação policial nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou em 121 mortos, o presidente do PT no Rio de Janeiro e prefeito de Maricá, Washington Quaquá, afirmou que a ação foi “necessária”, ainda que mal planejada, defendendo a necessidade de maior coordenação entre os órgãos de segurança e de políticas sociais permanentes. A declaração provocou um forte mal-estar em setores da esquerda fluminense e nacional (Metrópoles, 29/10/2025).

O que direi a seguir pode soar contraintuitivo, considerando a baixa efetividade dessas operações e o discurso tradicional de esquerda sobre segurança pública: é possível que o posicionamento do prefeito Quaquá represente a visão majoritária entre governadores e prefeitos de esquerda no país.

Levanto essa hipótese porque um estudo recente, publicado em 2024 na revista Political Research Quarterly, testou uma proposição semelhante, analisando a relação entre prefeitos de esquerda e seu apoio a estratégias de policiamento com traços de militarização.

O artigo “Segurança de shopping ou Robocop? Os determinantes políticos da militarização policial no Brasil.”, de Juan Albarracín e Lucía Tiscornia, revelou que prefeitos de esquerda no Brasil tendem a militarizar mais as guardas do que seus pares de direita; e prefeitos do PT, em especial, fazem isso com ainda mais intensidade quando a violência homicida é alta, como forma de sinalizar competência num tema que a esquerda “não possui” aos olhos do eleitorado, a segurança pública.

Os autores usaram dados municipais de quatro ondas da pesquisa MUNIC/IBGE entre 2004 e 2014, abarcando quatro mandatos municipais, controlando por um conjunto amplo de variáveis, para estimar efeitos médios cumulativos de eleger prefeitos de esquerda sobre o índice de militarização das guardas municipais.

Para analisar o grau de militarização, os autores construíram um índice aditivo composto por quatro indicadores que capturam as dimensões materiais, normativas e organizacionais do conceito:

  • (1) se a guarda municipal porta armas,
  • (2) auxilia a polícia militar em suas funções de policiamento,
  • (3) realiza patrulhamento,
  • (4) atua em outras atividades policiais além da vigilância de prédios ou espaços públicos.

Esses resultados, contudo, pedem cautela e mais investigação comparada. Um estudo mais recente, “A filiação partidária dos prefeitos não tem efeito detectável sobre os gastos com a polícia, o número de policiais empregados, os índices de criminalidade ou o número de prisões.”, publicado em 2025 na Science Advances, comparando cidades norte-americanas governadas por prefeitos democratas e republicanos, concluiu que a filiação partidária do prefeito não tem efeito detectável sobre gasto e efetivo policial, total de notificações de crime ou prisões; os autores encontram impacto nulo nesses desfechos, com apenas evidência sugestiva de mudanças modestas na composição racial das prisões (por exemplo, discreta queda na participação de pessoas negras sob prefeitos democratas). Em conjunto, o trabalho reforça a hipótese de que restrições institucionais locais e estruturas burocráticas moldam a política de segurança mais do que o rótulo partidário — um contraste útil para interpretar os achados brasileiros sobre guardas municipais e incentivos eleitorais.

Se a esquerda prega polícia cidadã e direitos humanos, por que militarizar?

Segundo os autores, a chave está na teoria de issue ownership: alguns partidos “possuem” certos temas na cabeça do eleitor (os de direita possuem “lei e ordem”), enquanto outros são percebidos como menos competentes nesses assuntos. Quando a segurança explode na agenda, governantes de partidos de esquerda sentem-se compelidos a sinalizar competência, muitas vezes, por meios simbólicos e rápidos de enxergar, como aumento de armas, uniformes táticos, retórica de guerra e operações duras.

A vasta literatura empírica associando militarização a violações e ausência de ganhos sustentáveis em segurança contrasta com a percepção pública de “efetividade” em curto prazo (64% da população do Rio de Janeiro apoiou a megaoperação segundo a Quaest), percepção que premia quem entrega a imagem do enfrentamento, e pune quem tenta a via invisível das políticas sociais combinadas com inteligência policial.

Sobre os custos e a baixa efetividade das operações policiais, recomendo a leitura da entrevista da pesquisadora Joana Monteiro, “Operação gerou ‘dano brutal’ para o Rio e não vai abalar facção”, publicada no Valor no dia 30/10/2025, e do artigo do Daniel Cerqueira e Robson Rodrigues, “A cloroquina da segurança, publicado no O Globo no dia 16/05/2021.

Se a esquerda ceder à armadilha do curto prazo, corre o risco de perpetuar estruturas e práticas dispendiosas, que custam caro e raramente entregam o que prometem. Se, por outro lado, a fala de Quaquá marcar o início de um debate na esquerda sobre planejamento, coordenação interinstitucional e políticas sociais de base territorial, talvez exista uma chance real de romper o ciclo da militarização reativa. Caso contrário, seguiremos reencenando o mesmo roteiro: choque, mortes de policiais e civis, aplauso breve, recrudescimento da violência — até que surja, novamente, a próxima operação “necessária”.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
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