Inspirado nos trabalhos do economista marxista norte-americano Richard D. Wolff, este artigo examina a relação entre o crescimento explosivo da dívida pública dos Estados Unidos, a crise de legitimidade fiscal e social do império, e o uso das tarifas e guerras comerciais por Donald Trump como sintoma de uma hegemonia em declínio.

A análise abrange ainda a estagnação industrial europeia e o deslocamento do centro dinâmico da economia mundial para o Oriente, particularmente para a China e o bloco dos BRICS.

Sustenta-se que a combinação de endividamento estrutural, desindustrialização e financeirização marca o início de uma nova era: o crepúsculo do império norte-americano e o despertar de um mundo multipolar.

A engrenagem da dívida e o esgotamento interno do império

Em 2025, a dívida pública dos Estados Unidos ultrapassa US$ 35 trilhões, equivalentes a cerca de 120 % do PIB. O gasto anual com juros supera US$ 1 trilhão, rivalizando com o orçamento combinado de Defesa e Saúde.
Para Richard Wolff, essa espiral é mais do que contábil – é política: um esforço de sustentar simultaneamente o império militar e o consumo interno, sem base produtiva que o respalde.

“The American economy is in trouble. The American empire is in decline. … We are now at that point.” – Richard D. Wolff, Democracy Now! 3 de abril de 2025 (Tradução livre: “A economia americana está em apuros. O império americano está em declínio. Já chegamos a esse ponto.”)

Quando o pagamento de juros disputa prioridade com educação, infraestrutura e saúde, o império passa a corroer-se por dentro.

A financeirização – que desloca o lucro produtivo para a renda financeira – substituiu a base material da hegemonia norte-americana por um castelo de crédito. Ironia histórica: parte dessa dívida está nas mãos da China e do Japão, credores do mesmo império que tenta contê-los pela via das sanções.

Tarifas, retaliações e o espelho do declínio

As tarifas impostas por Donald Trump em seu segundo mandato, iniciado em janeiro de 2025, ilustram o uso político da política comercial como arma de contenção simbólica. Wolff interpreta essa estratégia como o gesto desesperado de um império que culpa o mundo por sua própria crise interna.

“What’s being done is to say we have difficulties, but they’re all somebody else’s fault, and we’re going to solve it by punishing them.” – Richard D. Wolff, Democracy Now!, 3 de abril de 2025 (Tradução livre: “O que está sendo feito é afirmar que temos dificuldades, mas que a culpa é de outros, e que as resolveremos punindo-os.”)

Ao taxar produtos chineses, europeus e latino-americanos, Trump pretendeu restaurar o emprego industrial norte-americano – mas o resultado foi o oposto: elevação de custos, inflação e retração de exportações.

Wolff alerta que a retaliação internacional era inevitável:

“Nothing will guarantee more escalation than if they do nothing, because then it’s an invitation for Mr. Trump to keep doing it.” – Democracy Now!
(Tradução livre: “Nada garantirá mais escalada do que se não fizerem nada, pois isso é um convite para que Trump continue repetindo os mesmos erros.”)

A guerra tarifária é, para Wolff, a metáfora econômica da decadência imperial: punir o outro enquanto se recusa a reformar o próprio sistema. Daí sua formulação precisa:

“Trump is a symptom of a disease – the decline of an empire. … We have had a decline in the American empire pretty much since the early years of this century.” – Richard D. Wolff, Diari de Barcelona, junho de 2025 (Tradução livre: “Trump é um sintoma de uma doença – o declínio de um império. Vivemos esse declínio desde os primeiros anos deste século.”)

Europa: o labirinto da estagnação

Se os Estados Unidos enfrentam o peso da dívida, a Europa vive o dilema da estagnação. A crise energética de 2022-2023, seguida pela perda de competitividade industrial, deixou a Alemanha – principal economia do bloco – em recessão técnica entre 2024 e 2025. O Guardian registrou que o PIB alemão encolheu pelo segundo ano consecutivo, resultado da combinação de energia cara, desindustrialização e dependência tecnológica externa.

Para Wolff, a Europa “is not irrelevant … but its industry is dying” — “não é irrelevante, mas sua indústria está morrendo”.

A União Europeia tenta responder com o “Pacto Verde”, mas sem escala fiscal e com restrições orçamentárias herdadas do pós-austeridade, o continente converteu-se em um espaço de regulação sem produção. Exporta capitais e empregos, importa manufaturas e energia – e paga o preço político da frustração popular com o desemprego e o custo de vida.

Sem energia estável, política industrial comum e bancos públicos de investimento, a Europa corre o risco de perder autonomia estratégica e reduzir-se a apêndice do capital financeiro global.

O deslocamento do centro dinâmico para o Oriente

Enquanto o Ocidente se debate com dívida e paralisia, o Oriente amplia sua centralidade econômica. A China mantém crescimento em torno de 5%, lidera a indústria de baterias, semicondutores e energia limpa, e aprofunda a integração do BRICS+. Segundo o IMF World Economic Outlook (outubro de 2025), o bloco BRICS responde por 35% do PIB global em paridade de poder de compra, superando o G7, que reúne 28%.

Wolff observa que o diferencial não está apenas no crescimento, mas no planejamento estatal: bancos públicos, crédito direcionado, metas de industrialização e política tecnológica de longo prazo. A “mão visível” do Estado, demonizada pelo neoliberalismo, é o que garante à Ásia coesão e dinamismo.

Esse deslocamento do eixo produtivo é também geopolítico: cadeias de valor, comércio e infraestrutura orbitam cada vez mais em torno de Pequim, Nova Délhi e Jacarta. Projetos como a Nova Rota da Seda, o Banco do BRICS e o Fundo de Florestas Tropicais Para Sempre, apoiado pelo Brasil na COP30, expressam essa transição de poder.

Um império diante de suas próprias escolhas

O declínio norte-americano não é súbito nem acidental. É o resultado de décadas de políticas que privilegiaram o setor financeiro, desarticularam a base produtiva e concentraram renda. Como sintetiza Wolff, o problema central dos Estados Unidos não é a falta de recursos, mas a recusa em reformar as estruturas que concentram riqueza e corroem sua base produtiva.

As tarifas de Trump, a paralisia europeia e a ascensão asiática são três faces de um mesmo processo – a reconfiguração do sistema mundial. O desafio histórico está lançado: ou o Ocidente reinventa suas instituições produtivas e sociais, ou continuará a punir o mundo por ter deixado de ser seu espelho.

O novo eixo do século XXI: o Oriente como força motriz da economia global

O século XXI presencia uma transição estrutural inédita: a centralidade econômica, tecnológica e financeira desloca-se do Atlântico para o Pacífico. Essa virada não é apenas quantitativa – é qualitativa, baseada em três pilares de transformação.

1- Liderança tecnológica e industrial

A Ásia, liderada pela China, Coreia do Sul e Índia, domina hoje cadeias produtivas de alta tecnologia – semicondutores, inteligência artificial, telecomunicações, biotecnologia e energias renováveis. Empresas como Huawei, BYD, TSMC, Samsung e Tata Group – o maior conglomerado industrial da Índia e um dos mais antigos e diversificados do mundo –, estão entre as que mais investem em P&D no planeta. A China já é responsável por mais de 30% das patentes globais registradas e é a principal exportadora de equipamentos de energia solar, veículos elétricos e tecnologias 5G.

2- Expansão comercial e infraestrutura global

O comércio inter-regional asiático supera o transatlântico: cerca de 50 % do comércio mundial em 2025 envolve países asiáticos. A Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI) conecta mais de 150 países por meio de corredores terrestres, ferroviários e marítimos, integrando Ásia, África e América Latina em novas rotas de investimento e logística. Enquanto o Ocidente prioriza sanções e tarifas, o Oriente constrói pontes, portos e ferrovias.

3- Finanças e governança multipolar

A criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB/BRICS), o fortalecimento do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB) e o avanço das moedas digitais soberanas – como o e-yuan – indicam o surgimento de um sistema financeiro alternativo ao dólar. Países da África, Oriente Médio e América do Sul já conduzem parte de seu comércio bilateral em moedas locais ou em yuan, reduzindo a dependência do sistema SWIFT.

Essa reorganização não significa o desaparecimento do Ocidente, mas o fim de sua exclusividade histórica. A economia mundial se torna policêntrica: um sistema com vários polos de poder interdependentes, onde o protagonismo do Oriente reflete não apenas crescimento econômico, mas uma visão de longo prazo – de investimento, estabilidade e soberania tecnológica.

Referências

  • Wolff, R. D. American Empire Is in Decline. Democracy Now! April 3, 2025.
  • Wolff, R. D. The Collapse of the US Empire. YouTube, Dec. 24, 2024.
  • Wolff, R. D. Trump Is a Symptom of a Disease. Diari de Barcelona, June, 2025.
  • The Guardian. “German Economy Shrinks for Second Year in a Row,” Jan 15, 2025.
  • International Monetary Fund. World Economic Outlook, October 2025.
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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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