A Chacina da Penha, megaoperação envolvendo as forças de segurança estaduais do Rio de Janeiro (polícias civil e militar do Rio) contra as comunidades dos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio, no último dia 28 de outubro, deixou mais de 120 mortos. O objetivo aqui não é dissecar o ocorrido do ponto de vista da segurança fluminense, uma vez que a ineficácia da operação neste sentido está clara: já na noite do mesmo dia, o Comando Vermelho circulava com armas pesadas em ambas as regiões, mostrando que mantinha o controle do território. O emblemático “Doca”, cuja captura foi o mote da grande operação, seguia solto. E o efetivo policial, já no fim da tarde, tinha abandonado a região.

Ou não era desses objetivos explicitados pelas autoridades de segurança do Rio que se tratava, ou a operação teria sido um megafracasso. Como as autoridades de segurança continuaram falando em sucesso da operação, não era dos objetivos explicitados (retomada do território, prisão do “Doca”, desarticulação do poder e da logística do Comando Vermelho) que se tratava.

Se não era esse o objetivo real da operação, é bom levantar hipóteses sobre ele. E aqui, como se viu nos últimos 20 dias, parece que se tratou de uma megaoperação política, com o objetivo de alterar o rumo da prosa de um processo eleitoral que se encaminhava para uma situação cada vez mais confortável para as forças articuladas em torno ao Executivo federal, leia-se aí uma recandidatura do atual presidente Lula nas eleições do ano que vem.

Desde o início desse ano, uma agenda focada em economia, desenvolvimento, soberania e defesa dos interesses nacionais tinha permitido ao governo se aproveitar de uma maré ascendente do ponto de vista da opinião pública. A inflação caía, após o dólar parar de subir desde a virada do ano, e a taxa de crescimento da economia, embora sem nenhum vigor especial, seguia positiva. O desemprego continuava caindo e a renda subindo, demonstrando tranquilidade no que diz respeito ao mercado de trabalho.

Os arroubos de Trump no exterior, com tarifaços genéricos e, depois de alguns meses, medidas específicas contra alguns setores exportadores brasileiros, somados a um amálgama inicial entre o tarifaço estadunidense e o processo que leva a inelegibilidade e à prisão de Bolsonaro aqui dentro, não só permitiram que o governo assumisse a bandeira da soberania nacional, como deixou o bolsonarismo com a bandeira estadunidense na mão e o boné vermelho do “Make America Great Again” na cabeça.

Enquanto isso, Lula se movia à vontade em reuniões internacionais, assembleia da ONU e se preparava para a COP em Belém, espaço onde ele nada de braçada, e podia seguir reforçando seu discurso de defesa da soberania, da economia e dos interesses nacionais – como aconteceu, por exemplo, no encontro com Trump na Assembleia Geral da ONU, onde de fato começaram as negociações bilaterais para buscar saídas para o aumento de tarifas que vinha sendo imposto a uma série de produtos de exportação do Brasil.

Isso vinha mostrando, pesquisa após pesquisa, que Lula estava contribuindo para melhorar a avaliação de seu governo e, com isso, reduzindo a rejeição ao seu nome e ampliando a vantagem sobre eventuais candidatos levantados pela oposição, seja no conjunto dos membros da família Bolsonaro, seja entre os governadores de diferentes estados do Sul, Sudeste e Centro-Oeste que têm se colocado em campanha pelo país como opções para as eleições do ano que vem, especialmente se um dos Bolsonaros, o Jair, não puder ser candidato.

A megaoperação policial e a chacina no Rio serviram, até aqui, para alterar esse rumo que parecia conduzir a um processo eleitoral previsível no ano que vem. O tema da segurança veio para o topo da pauta de discussões a partir dos acontecimentos nos complexos da Penha e do Alemão, e com ele uma mudança de sinais nas pesquisas eleitorais do ano que vem, com o debate se deslocando para um tema confortável para a direita, onde ela se move nas discussões com lugares-comuns que parecem ter a simpatia da maior parte do eleitorado.

Esse evento sacolejou as previsões eleitorais para o ano que vem. Não se sabe se esse será um movimento consistente, pois como dito antes, a ação policial efetivada em breve mostrará toda a sua ineficácia, como em várias outras vezes. Mas a extrema direita e a direita nacional, como em outros países, seguirão bradando por mais e ampliadas ações do mesmo estilo.

Ao atual governo e seu bloco de apoio restarão duas opções. Ou buscar mover as prioridades da pauta de discussões de novo para os temas de desenvolvimento e soberania, onde apresenta incontestes resultados, ou sofisticar, e ao mesmo tempo popularizar, o seu discurso sobre segurança. Mas essa segunda opção sempre foi mais complicada.

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Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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