O século XXI começou tarde. Ele não teve início em 2001, 2008 ou 2016, mas na crise sanitária traumática da pandemia da Covid-19, que principiou em fevereiro de 2020, e na travessia entre 2024 e 2025 — um período em que as placas tectônicas da política internacional finalmente se moveram de forma irreversível.

O ano de 2025 escancarou que o planeta deixou de girar em um único compasso. Cada continente passou a viver seu próprio ritmo histórico, criando uma espécie de descompasso global: tempos acelerados ao Sul, tempos regressivos no Norte, tempos suspensos na Europa, tempos futuristas na Ásia e tempos de alerta máximo no Pacífico. Cinco relógios, cinco pulsares, cinco futuros simultâneos.

Essa assimetria entre os tempos se tornou, de certa maneira, o retrato mais preciso da desordem internacional contemporânea. O planeta deixou de funcionar como uma engrenagem sincronizada: hoje é um mosaico de velocidades históricas incompatíveis. E compreender esse descompasso talvez seja a principal chave analítica para entender o que 2025 representou — e para imaginar o que 2026 pode exigir de nós.

O tempo acelerado da América Latina

Nenhum continente viveu 2025 com a intensidade da América Latina. Aqui o relógio corre mais rápido, como se a história tivesse decidido condensar décadas em meses, meses em semanas. A operação “Lança do Sul” dos Estados Unidos – a maior mobilização militar no hemisfério desde o Panamá em 1989 – reativou feridas antigas de intervenção, tutela e violência imperial. A Venezuela voltou ao centro da disputa global pelo petróleo, e o Caribe, tradicionalmente invisibilizado, tornou-se palco de um confronto estratégico entre Washington e o resto do mundo.

Mas enquanto a guerra avançava por mar e ar, outro processo se consolidava: o Brasil emergiu como polo diplomático e climático. Com a realização da COP30 em Belém, o país assumiu a liderança moral da governança ambiental e climática do planeta, trazendo dezenas de chefes de Estado, organizações multilaterais e a atenção de todos os grandes jornais internacionais para a Amazônia. Ao mesmo tempo, o Brasil presidiu o BRICS+ e o G20 em um único ano – algo inédito na história moderna – projetando o país como articulador de consensos em um sistema internacional fragmentado.

A América Latina viveu 2025 sob o choque simultâneo da violência militar e do renascimento diplomático. É por isso que seu relógio anda rápido: porque tudo acontece ao mesmo tempo e com intensidade máxima. A região, que sempre conviveu com instabilidades internas, tornou-se inesperadamente o epicentro das grandes narrativas globais – clima, energia, democracia, autoritarismo, militarização e futuro.

O tempo regressivo da América do Norte

Se a América Latina corre para frente, os Estados Unidos caminham para trás. O tempo norte-americano é regressivo – não porque o país tenha perdido capacidade econômica ou militar, mas porque entrou em um ciclo político que parece querer desfazer o que construiu ao longo de oitenta anos.

Em 2025, o segundo governo de Donald Trump aprofundou três movimentos: a militarização unilateral, o neomacartismo ideológico e a corrosão institucional. A semana “anticomunista”, ressuscitando fantasmas dos anos 1950, mostrou uma América que olha para o passado para justificar políticas de força. A escalada militar no Caribe expôs uma estratégia brutal que ignora organismos multilaterais e atropela aliados tradicionais. E o próprio funcionamento do Estado – do Departamento de Estado à Agência de Proteção Ambiental – sofreu uma deterioração visível.

A América do Norte tornou-se o continente mais descompassado em relação às tendências globais: enquanto o mundo busca cooperação climática e integração energética, Washington avança rumo ao isolacionismo e ao conflito. O tempo aqui anda para trás. E o impacto disso ecoa em todos os outros continentes.

O tempo suspenso da Europa

A Europa vive em um tempo lento – tão lento que às vezes parece parado. Em 2025, o continente atravessou mais um ano de estagnação econômica, divisões internas e incapacidade de formular um projeto coletivo após o Brexit, a crise energética e a transformação do comércio mundial. As eleições europeias trouxeram avanços da extrema direita, mas não uma hegemonia política capaz de formular respostas aos desafios migratórios, climáticos e industriais.

É um continente que envelhece – demograficamente, economicamente e politicamente. A União Europeia (UE) discute metas climáticas, mas tem dificuldade em implementá-las. Fala em autonomia estratégica, mas depende dos Estados Unidos para a defesa e da China para cadeias produtivas essenciais. E enfrenta um dilema identitário profundo: quer liderar moralmente o mundo, mas perdeu tração econômica.

A Europa vive um tempo suspenso – não retrocede, não avança, não explode, não se recompõe. Paira. E é esse estado de suspensão que mais bem descreve seu papel em 2025: um continente que observa, reage, mas não pauta mais o ritmo global.

O tempo futurista da Ásia

Enquanto isso, a Ásia vive em outro século. A China consolidou sua liderança tecnológica e climática, intensificando sua presença na África, na América do Sul e no Sudeste Asiático. A Índia avançou em inovação, infraestrutura e diplomacia, disputando espaço com Pequim. O Sudeste Asiático tornou-se o maior motor de crescimento econômico do planeta, combinando estabilidade política com industrialização acelerada. A Coreia do Sul e o Japão fortaleceram suas plataformas tecnológicas em meio a tensões regionais.

A Ásia vive no tempo do futuro, porque opera em ritmos ditados por inovação, digitalização, infraestrutura e comércio. É aqui que são definidas as tecnologias verdes, as redes 5G e 6G, os padrões industriais, os corredores logísticos, as moedas alternativas, os novos arranjos multilaterais. O século XXI, de fato, acontece primeiro na Ásia — e depois é exportado ao resto do mundo.

O tempo de alerta máximo da Oceania

A Oceania vive em outro registro: o de sobrevivência. O Pacífico se tornou a linha de frente do colapso climático. Ilhas inteiras estão sendo engolidas pelo mar. Milhares de pessoas foram deslocadas ao longo de 2025. A Nova Zelândia e a Austrália tentam equilibrar políticas climáticas ambiciosas com pressões geopolíticas dos Estados Unidos e da China no Indo-Pacífico.

O tempo aqui é urgente. É o tempo da resposta imediata, do desastre anunciado, da adaptação necessária. É o relógio que mais representa o futuro distópico que o mundo tenta evitar – e que mostra a gravidade do que está por vir.

Cinco relógios, cinco ritmos, um só futuro

O mundo de 2025 se tornou um conjunto de ritmos inconciliáveis: o acelerado, o regressivo, o suspenso, o futurista e o urgente. A grande questão que se coloca para 2026 é simples e brutal: como sincronizar o planeta quando cada continente vive em um tempo diferente?

Talvez a resposta esteja justamente onde ninguém esperava: no Sul Global. No Brasil que liderou o debate climático e o BRICS+. Na África que cresce e se articula. Na Ásia que dita o ritmo da inovação. No continente latino-americano que, entre guerra e esperança, voltou ao centro do mundo.

O desafio não é apenas sincronizar relógios – é imaginar um tempo comum, um tempo de cooperação, um tempo que permita ao planeta sobreviver. E se 2025 mostrou que o mundo vive tempos incompatíveis, talvez 2026 seja o ano de construir a ponte entre eles.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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