Reinventar o Sistema Nacional de Emprego (SINE) é reafirmar o papel do Estado na promoção do trabalho decente e da coesão social.

O mundo do trabalho passa por transformações estruturais que reconfiguram a economia, a sociedade, a cultura, a democracia e suas instituições. A digitalização, a transição ecológica, o envelhecimento demográfico e as mudanças geopolíticas formam um conjunto de transições simultâneas que alteram profundamente a estrutura ocupacional e as relações sociais de trabalho.

Essas transformações desafiam as políticas públicas a inovarem seus objetivos e estratégias e a atualizarem seus instrumentos de ação, especialmente aquelas que operam na fronteira entre o emprego, a renda e a proteção social.

O Sistema Nacional de Emprego (SINE), criado em 1975, foi um marco na institucionalização da política de trabalho no Brasil. Ele nasceu como resposta a uma economia que se urbanizava rapidamente e a um mercado de trabalho formal em expansão. Durante décadas, cumpriu papel essencial na intermediação de mão de obra, na concessão do seguro-desemprego e na qualificação profissional, entre outras políticas públicas relacionadas ao mundo do trabalho.

Mas o SINE foi concebido em outro contexto histórico e se estruturou predominantemente mirando o trabalho formal, assalariado e de tempo integral que era a norma com perspectiva de ampliação. O presente impõe novos desafios: ocupações fragmentadas, vínculos intermitentes, vulnerabilidades de renda e/ou ocupação; trabalho mediado por plataformas digitais, crescimento do empreendedorismo de necessidade e ampliação da informalidade.

Nesse cenário, o SINE precisa ser repensado como uma plataforma pública de políticas integradas de trabalho, emprego e renda, voltada para um mundo do trabalho em transição permanente.

O SINE: política pública de Estado e instrumento de coesão social

O fortalecimento do SINE exige sua reafirmação como política de Estado, sustentada por bases legais, institucionais e financeiras sólidas. Mais do que um programa operacional, o SINE deve ser compreendido como o núcleo do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda (SPETR), articulando as dimensões de intermediação, qualificação, informação, assistência e proteção, considerando as múltiplas formas de presença no mundo do trabalho.

Essa perspectiva é fundamental para garantir continuidade e estabilidade às ações, blindando o sistema das descontinuidades políticas que historicamente marcaram as políticas públicas no Brasil.

Durante o ciclo 2003–2014, o SINE expandiu sua rede e incorporou tecnologias, mas a partir de 2016 houve retração institucional e financeira, culminando em um processo de desmonte parcial promovido pelo governo anterior.

A retomada iniciada em 2023, sob a coordenação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), busca recolocar o SINE como instrumento essencial da reconstrução das políticas de emprego e renda. Trata-se de um enorme desafio, inclusive para as conselheiras e conselheiros do Sistema em todos os níveis.

Além da dimensão técnica, o SINE tem papel estratégico na coesão social e territorial. Em um país marcado por profundas desigualdades regionais, a rede pública de atendimento é um elo entre o Estado e o cidadão, permitindo identificar demandas, registrar perfis, ofertar oportunidades e integrar políticas locais de desenvolvimento.

Ao fortalecer o SINE, o Brasil fortalece sua capacidade de planejamento do trabalho e de resposta a crises – sejam econômicas, climáticas ou sociais.

O SINE nas transições do século XXI

As transições tecnológica, ambiental e demográfica se entrelaçam e redefinem as dinâmicas de produção e emprego. A digitalização e a inteligência artificial estão remodelando as ocupações, substituindo tarefas rotineiras e criando funções baseadas em competências digitais, sócio relacionais e cognitivas. A transição ecológica, por sua vez, demanda novas qualificações em energia renovável, saneamento, mobilidade e bioeconomia, construção, entre outros. Já a transição demográfica exige políticas que integrem juventude e envelhecimento ativo no mercado de trabalho.

Nesse cenário, o SINE deve atuar como observatório nacional do trabalho em transição. Isso implica incorporar novas metodologias de mapeamento de ocupações emergentes, integrar-se a bancos de dados como CAGED, eSocial, RAIS e PNAD Contínua, e antecipar as demandas futuras por qualificação e aumentar a capacidade de prospecção. O sistema pode, inclusive, servir de base para modelos regionais de prospecção de empregos verdes e digitais, orientando políticas industriais, educacionais e de inovação.

Mais do que recolocar trabalhadores, o SINE precisa orientar trajetórias profissionais, apoiando a reconversão de competências e a mobilidade ocupacional. Essa é a essência da política ativa de emprego no século XXI: promover o direito à transição profissional justa em uma economia em transformação.

As novas formas de trabalho e o desafio da informalidade

O crescimento das formas de ocupação como o trabalho por conta própria, autônomos dependentes, microempreendedores individuais, trabalhadores de plataformas, cooperados, micro tarefas, teletrabalho, exige que o SINE amplie seu escopo de atuação. O sistema não pode limitar-se à intermediação tradicional entre empresas e candidatos; deve desenvolver estratégias de inclusão produtiva para trabalhadores em diferentes inserções ocupacionais, muitos informais e precários. Muitos, beneficiários de programas de transferência de renda que desejam uma inclusão produtiva digna.

De acordo com o IBGE, cerca de 39% dos ocupados no Brasil estão na informalidade e mais de 25 milhões de pessoas vivem do trabalho por conta própria. Entre as mulheres, a informalidade é ainda maior, refletindo desigualdades estruturais de gênero, raça e classe. Esses grupos enfrentam não apenas instabilidade de renda, mas também exclusão de direitos previdenciários e de proteção trabalhista.

O SINE pode desempenhar papel decisivo nesse campo, oferecendo serviços integrados de registro, formalização e acesso a políticas públicas — incluindo microcrédito, qualificação profissional e previdência social.

O sistema pode ainda atuar como porta de entrada para a proteção social, ajudando o trabalhador a construir um histórico contributivo e a acessar benefícios como o BPC, o seguro-desemprego e o Cadastro Único e viabilizar sua inserção produtiva quando couber.

No caso dos trabalhadores de plataformas, é essencial que o SINE desenvolva instrumentos específicos de acompanhamento, monitoramento e mediação. Esses trabalhadores precisam ser reconhecidos como parte da força de trabalho e incluídos nas políticas de formação profissional, proteção e negociação coletiva.

A experiência europeia recente, especialmente a Diretiva Europeia sobre Trabalho em Plataformas (2024), pode inspirar o redesenho dessas políticas no Brasil, em diálogo com sindicatos e empresas.

O SINE e a qualificação profissional contínua

Nenhuma política de emprego será sustentável sem um sistema robusto de educação e formação profissional. O SINE deve aprimorar sua capacidade operacional para se converter em uma ponte entre o trabalhador, as empresas e as instituições de ensino técnico, superior e tecnológico. Sua missão vai além de ofertar cursos: deve orientar o aprendizado ao longo da vida, apoiando processos de reconversão e de atualização permanente de competências.

A integração do SINE com o Sistema S, os Institutos Federais de Educação e as universidades públicas é essencial para criar itinerários formativos articulados às demandas regionais e setoriais.

Os dados coletados pelo SINE — sobre perfis profissionais, ocupações, desemprego e mobilidade — podem servir como bússola estratégica para as políticas de qualificação, evitando descompassos entre oferta e demanda de trabalho.

Outro ponto crucial é a alfabetização digital e ecológica. O SINE deve contribuir para que os/as trabalhadores/as dominem as ferramentas digitais e compreendam os princípios da economia verde. Isso permitirá sua inclusão nas cadeias de produção sustentáveis e nos setores emergentes da economia do cuidado, da restauração ambiental, das energias renováveis da construção civil e pesada, entre outros.

O SINE e a transição justa

O conceito de transição justa — promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) — tem como princípio garantir que a transformação para uma economia de baixo carbono ocorra com inclusão social, geração de empregos decentes e proteção às comunidades afetadas.

O SINE tem potencial para se tornar o instrumento operacional da transição justa no Brasil, articulando dados, políticas e práticas nos territórios.

Isso significa criar planos setoriais de emprego e formação profissional nas cadeias que estão se transformando: mineração, energia, transporte, construção civil, agricultura, entre outros.

O SINE pode atuar como elo entre empresas, sindicatos, governos e as pessoas que trabalham, antecipando os impactos das mudanças produtivas e construindo soluções pactuadas de reconversão profissional.

Essa função reforça o caráter do SINE como instrumento de diálogo social, capaz de conectar trabalhadores e empregadores em torno de estratégias de desenvolvimento sustentável.

Governança, financiamento e inovação institucional

Para cumprir sua missão, o SINE precisa de governança estável e financiamento permanente. O fortalecimento do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é essencial para garantir a previsibilidade dos recursos, inclusive acabando com a remessa anual de bilhões de reais para financiar a previdência social. Além disso, é necessário modernizar a gestão, com sistemas digitais integrados e interoperáveis entre União, estados e municípios.

A governança deve seguir o princípio da gestão quadripartite, envolvendo governo, trabalhadores, empregadores e entidades formadoras. Essa estrutura garante legitimidade, transparência e alinhamento às necessidades reais do mundo do trabalho.

A criação de Observatórios Regionais do Trabalho vinculados ao SINE poderá fortalecer a coleta e o uso de dados locais, aprimorando o planejamento territorial das políticas de emprego.

A inovação institucional também passa pela incorporação de novas tecnologias de informação — inteligência artificial, big data, cruzamento de cadastros — que permitam identificar rapidamente perfis, oportunidades e tendências de mercado.

A tecnologia deve ser usada como meio e não como fim: o centro da política continua sendo o trabalhador como sujeito de direitos.

O SINE e o futuro do trabalho decente

O SINE do futuro não será apenas um sistema de intermediação de empregos. Ele será o coração da política pública de trabalho decente e de inclusão produtiva, capaz de articular emprego, renda, educação e proteção social. Ao colocar o trabalhador no centro, o SINE ajuda o Brasil a enfrentar suas desigualdades históricas e a construir uma sociedade mais justa e sustentável.

A consolidação desse novo modelo requer vontade política, diálogo social e investimento público.

As Centrais Sindicais e o sistema sindical dos trabalhadores, as Confederações Empresariais e seu sistema sindical, o MTE, os governos subnacionais (Estados e municípios), os Conselhos, conselheiras e conselheiros, têm papel fundamental nesse processo, assegurando que a reconstrução do SINE seja parte de um projeto nacional de desenvolvimento com inclusão.

Conclusão

O fortalecimento do SINE é uma condição estratégica para o Brasil enfrentar o futuro do trabalho com dignidade e justiça social. O sistema precisa combinar tradição e inovação, articulando as políticas clássicas de emprego com as novas demandas da economia verde, digital e do cuidado.

Reinventar o SINE é, em última instância, reafirmar o papel do Estado na promoção do trabalho decente e da coesão social.

O SINE do futuro deve ser público, moderno, digital e inclusivo — um instrumento vivo da transição justa e do desenvolvimento social. Recolocar o trabalho no centro do projeto nacional é o caminho para um Brasil mais produtivo, solidário, sustentável e justo.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli  e  Revisão: Celia Bartone
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