Está acontecendo um descolamento entre o mundo real e o mundo dos papéis que deveriam representá-lo?

Para Rodrigo, que me alertou.

Um amigo pergunta: “Tem acompanhado a discussão da nova Bolha?” Eu, alienado, respondo: “Qual?” a das “Magnificent 7, da Inteligência Artificial”. Não tenho ideia e vou procurar material.

É comum, na sociedade financeirizada em que vivemos, que haja um descolamento entre o mundo real – o dos objetos e coisas palpáveis – do mundo dos papeis que deveriam representá-lo.

Hoje em dia, é ingenuidade querer ver nas ações, derivativos ou papeis financeiros alguma representação do mundo real e sua concretude. No entanto, sempre que há uma separação entre as expectativas que geram essa valorização artificial, mesmo que seja no tempo que levará para se concretizar, com o que se apresenta como real, gera-se uma Bolha. Expectativas é a palavra-chave.

Bolhas financeiras são comuns no capitalismo, principalmente quando da consolidação de uma tecnologia revolucionária que venha para mudar o padrão efetivo de produção e consumo.

Uma bolha financeira se dá quando o preço de um ativo sobe muito mais rapidamente do que é possível, tornando a crença de o papel estar associado ao valor real inacreditável, a confiança desaparece, e com isso a demanda diminui e a bolha “estoura”.

Esse processo concretiza falências e desemprego crescente, além de grandes perdas, principalmente para os pequenos investidores que colocaram suas economias nesses papeis. Em geral, ela se alastra para os demais setores da economia. Foi assim com a crise de 2000, das empresas pontocom, foi assim com o setor imobiliário na crise de 2008.

Ouvi uma palestra de um conceituado especialista na área, garantindo que em quatro anos, com a inteligência artificial, o mundo será outro. Tudo vai mudar. Não duvido, mas será que em quatro anos? Muitos têm acreditado nisso e fazem suas apostas nessa transformação meteórica.

Esquecem que a riqueza velha, o mundo concreto em que vivemos, reage para não permitir uma depreciação acelerada de seu patrimônio. E isso faz com que se retarde o processo. O visualizado por visionários demora a criar efetividade.

Além disso, pesados investimentos são necessários. Construções de Datacenters, unidades gráficas sofisticadas, chips de altíssima precisão, entre outros, são cada vez mais necessários. No entanto, viabilizar esses empreendimentos e esses materiais sofisticados nem sempre pode se dar no tempo em que foi previsto. Sem falar nos impactos ambientais, energia e água, que vem gerando forte reação contrária.

Uma redução da demanda leva a que o processo não se dê no ritmo esperado e, consequentemente, os papeis financeiros não se valorizam conforme projetado.

As “Sete Magníficas” (ou “Magnificent 7”) são as sete maiores e mais influentes empresas de tecnologia dos Estados Unidos: Apple, Microsoft, Alphabet (Google), Amazon, Meta (Facebook), Nvidia e Tesla. É um grupo de referência para o mercado de papeis americano, especialmente o índice S&P 500, devido ao seu enorme valor de mercado e impacto na economia global.

O debate atual está fortemente centrado na discussão se a aposta nessas empresas não foi sobrevalorizada. Se não vai haver uma correção de rumos iminente, correção que pode ser de grandes proporções.

Em 2025, houve uma gangorra grande nas Bolsas de Valores. No início do ano houve grande queda, o que se repete em novembro e início de dezembro. Mas, no resto do ano uma valorização espetacular. As dúvidas quanto aos negócios que têm na inteligência artificial seu sustentáculo, colocam em polvorosa os analistas do sistema. E, com isso, todo o sistema financeiro vigente.

Cabe ressaltar que essas sete empresas dominam os setores-chave da economia mundial, em sua nova matriz tecnológica: smartphones, publicidade digital, computação em nuvem, redes sociais, hardware e veículos autônomos, além, claro, de novos modelos de inteligência artificial, que estão sob sua estratégica dominação.

Dúvidas já começam a se refletir nas bolsas. Um levantamento da Elos Ayta aponta que as Sete Magníficas perderam mais de US$ 1,7 trilhão em valor de mercado em menos de um mês, em novembro de 2025. É verdade que o valor conjunto dessas empresas caiu de US$ 22,24 trilhões em 29 de outubro para US$ 20,49 trilhões em 20 de novembro, valor muito maior que o PIB da grande maioria dos países do mundo. A forte valorização do resto do ano, mais que compensa, mas leva a um sinal de alerta.

Nesse contexto, cabe analisar mais de perto as preocupações que têm surgido, principalmente as associadas à inteligência artificial.

As ações se valorizaram em um ritmo completamente anormal. No longo prazo, há dúvidas se podem ser sustentadas. Questiona-se se não teria sido um movimento fortemente especulativo, que poderá levar a novas quebras, principalmente da cadeia de suprimento do setor, com os fortes investimentos em datacenters e materiais para chips avançados em setores dinâmicos.

O gasto das empresas para se adequarem ao movimento da inteligência artificial pode ser incompatível com o período e dinâmica do movimento a nível mundial. O retorno financeiro pode estar comprometido. O tempo dirá.

Embora as Big Techs tenham lucros astronômicos e fluxo de caixa efetivo, a memória não permite esquecer a quebra de empresas pontocom, no fim dos anos 1990. É verdade que elas, as gigantes americanas, têm modelos de negócios bem mais sólidos, mas a história empresarial mostra que padrões podem ser quebrados.

A euforia recente e as atuais preocupações com uma supervalorização são fases de um mundo em que o concreto dos mercados físicos de bens e serviços se dissociou fortemente da reserva e reflexo do real valor que o mercado financeiro deveria expressar. E isso leva a crises constantes e preocupações permanentes – é importante lembrar que com o Subprime de 2008 se dizia que os bancos teriam fôlego e não seriam afetados.

Grandes castelos podem, rapidamente, se transformar em areia.

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli e Revisão: Celia Bartone
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