Sei que não deveria lhe dizer isto assim, de supetão, sem palavras prévias que amaciem a dureza da verdade, mas papai noel não existe! E escrevo assim mesmo, sem letras maiúsculas porque não é nome próprio, afinal, o nada, por nada ser, não há o que propriamente nomear.

Vejo o marejar em seus olhos e isso também me entristece. Mas engula o choro para lubrificar a garganta para que desça melhor outras verdades que você também precisa engolir.

Papai noel não existe. Existe só a ideia. E não é coisa boa. Não é coisa de religião. É coisa de mercado. Coisa de colonizador. Coisa de rico para arrancar dinheiro de pobre. E arranca por onde mais dói, pela alegria e ingenuidade de uma criança.

Imagine se faz algum sentido um velho gordo vestido de vermelho voando em trenó – em trenó! – de neve num lugar quente que nem este! E mergulhando por chaminés para entregar presentes. Que chaminé? Quem tem chaminé nesta terra de calor, suor e pobreza?

Para com isso! Deixe de escândalo. Olha a compostura! Você é adulto. Foi enganado por muito tempo e já é hora de acordar para a realidade. Acordar para a vida. Aliás essa coisa de papai noel tem a ver com vida. É sobre isso, a vida.

Para que você vive? Qual o seu propósito? Dia a dia você se levanta, trabalha, alegra-se, entristece, se ferra para quê? Para ganhar alguma coisa depois? Para um bom velhinho, de vermelho, terno e gravata, uniforme, jaleco ou sapatênis descer pela chaminé do teu trabalho e lhe dar uma plaqueta? Uma foto de funcionário do mês? Do ano? Da vida? Um panetone de frutas cristalizadas – que você detesta – embalado com fita vermelha e laços?

É para isso que você vive? Pois é isso que você está dizendo para seu filho com esse negócio de papai noel. Estude, comporte-se, seja um bom menino, boa menina, não porque faça sentido estudar, comportar-se bem, ser bom, mas porque vai ganhar um brinquedo que vai escangalhar em menos de um mês ou perder a graça antes disso.

Pois é isso que você está dizendo para o seu filho com esse negócio de santa claus. Está tirando da vida o valor da vida. Nela, tudo virá sacrifício, coisa chata, obrigação. O bom da vida não é coisa da vida, mas coisa de se comprar enquanto perde a sua vida nas chatices impostas para bater a meta de enriquecer ou alegrar alguém que manda em você.

Como assim, eu sou chato por lhe dizer isso? É assim que você encara a verdade, com raivinha depois do choro? Depois de negar a verdade, vem com um “mas não é bem assim”, querendo negociar com os fatos? Aceite logo. Faça logo seu luto pelo nada e comece a olhar a vida que ainda lhe resta. Comece a se preocupar com as vidas que você ainda não estragou. As que você ainda não corrompeu transformando seu sentido em coisa de se comprar.

Os bons valores? Família, amor, ceia de Natal? E desde quando isso tem a ver com papai noel? Encontrar quem se ama deveria ser algo a se fazer por amor e não por imposição do calendário. Não é preciso colocar na agenda o dia de amar, nem o de respeitar, nem o de viver. O calendário serve só para saber o dia em que corpos poderão estar no mesmo espaço-tempo, só isso. É para saber quando vão deixar seu corpo estar onde seu coração diz que ele deveria estar. Quando não vão mais querer usar seu corpo para fazer dinheiro enquanto você espera seu papai noel.

Quer afetos? Então viva com os que tem, sem vendê-los. Dê afetos para receber afetos. E se der e não receber nada de volta, ainda assim vai perceber que fez sentido. Pois afeto não é mercadoria, nem presente de papai noel que é legal de se ganhar. Afeto é bom de se dar. Amor é bom de se amar.

Então, ame. Viva. Sinta. No agora. No já. No instante em que se vive. Ame quem está perto de você. E quem está longe também. Ame agora. E os outros agora também. Não ame porque é Natal, ame sem porquê.

E esqueça esse santa claus no baú das ideias tristes.

Feliz Natal!

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Os artigos representam a opinião dos autores e não necessariamente do Conselho Editorial do Terapia Política. 

Ilustração: Mihai Cauli
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