Repetibilidade, verificabilidade, suporte teórico, consistência lógica e falseabilidade são comumente referidos como atributos necessários à construção de hipóteses científicas. O último deles, talvez o princípio mais importante do pensamento científico, defende que todo saber autoproclamado científico deva se entender como transitório e não definitivo, sendo, portanto, falível e passível de ser provado falso. Com essa estrutura, o saber científico progrediu extraordinariamente nos últimos séculos, revolucionando a nossa vida cotidiana.

Entretanto, grupos organizados, geralmente com interesses outros que não a busca da verdade, tentam hoje desacreditar teorias muito bem consolidadas em diferentes áreas. A alcunha de “negacionismo” para o conjunto desses movimentos se deve ao fato de que, embora neguem o saber científico, eles não apresentam qualquer hipótese alternativa razoável. Seu modus operandi consiste somente em apontar supostas fragilidades e disseminar dúvidas, frequentemente de caráter conspiratório, sobre as teorias mais aceitas.

Diante da falta de hipóteses robustas alternativas e sem qualquer fundamentação técnica para contrapor solidamente as teorias vigentes, o caminho utilizado por negacionistas é, geralmente, o do raciocínio falacioso. Frases corretas como “a própria ciência diz que suas afirmações são só hipóteses ou teorias” ou “há muita coisa que a ciência não explica”, ao invés de entendidas como naturais no contexto de ciência, são descontextualizadas, distorcidas e usadas contra teorias de elevado poder explicativo. É assim em relação à teoria da evolução, de Charles Darwin, atacada por criacionistas, e também no que concerne à teoria da relatividade de Albert Einstein, alvo, entre outros, de anacrônicos terraplanistas.

Outro estratagema comum é o de tentar desmoralizar cientistas com argumentos torpes, como faz o movimento antivacina em relação a virologistas ou os grandes poluidores no ataque a climatologistas e ONGs. Instituições de pesquisa idôneas e extremamente técnicas que acompanham o desmatamento da Amazônia foram, recentemente, vítimas da mesma forma de difamação.

Sobre esse assunto, o filósofo Arthur Schopenhauer escreveu o livro “Como vencer um debate sem precisar ter razão”, no qual enumerou 38 modalidades de discursos falaciosos. Em uma de suas edições mais recentes, curiosamente, esse livro foi prefaciado pelo filósofo Olavo de Carvalho, um negacionista que se tornou notório por sua ascendência sobre o atual governo brasileiro.

Durante a pandemia provocada pela Covid-19, o negacionismo teve participação na resistência à adoção de medidas de isolamento social e já pode ter sido, indiretamente, responsável por muitas vidas perdidas. Em países como Itália, Inglaterra e Estados Unidos, três casos bem emblemáticos, somente depois de dezenas de milhares de mortes seus líderes adotaram o isolamento social necessário segundo especialistas. A desconfiança em relação a cientistas era tão intensa, que sequer os apelos daqueles cientistas ligados à área econômica e bancos foram ouvidos. Esses mostraram, a partir de dados colhidos durante e posteriormente à gripe espanhola, que a estratégia econômica que se mostrou mais eficiente nesse tipo de crise foi a proteção do cidadão e seu apoio financeiro durante o isolamento.

Tal resistência negacionista, mais uma vez, foi defendida com afirmações falaciosas, como a muito utilizada “toda a população vai pegar mais cedo ou mais tarde, então é melhor que peguem logo”. Independentemente da índole ou da intenção por trás dos disseminadores de tais argumentos, fica claro que a única maneira de resgatarmos a capacidade da população de discernir fato de fake e, portanto, de criar condições para que essa assuma seu papel em uma democracia participativa, é com seu forte engajamento em programas de difusão e inclusão científica. Caso essas circunstâncias não sejam dadas, o bom funcionamento de nossas instituições e da própria democracia jamais estará garantido.

Artigo originalmente publicado em: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-ciencia-schopenhauer-covid-19-24441604 (26/05/2020)