No começo de 2020, Bolsonaro já emitia sinais de insatisfação com o desempenho do seu próprio governo. Após um primeiro ano pífio em termos econômicos, sociais e políticos, o seu mandato apenas sobrevivia, indicando dificuldades de chegar até 2022.

Com a chegada da pandemia Covid19, o seu governo simplesmente acabou. A necessidade de enfrentar a excepcionalidade decorrente da crise sanitária de dimensão mundial e suas repercussões profundamente negativas para a economia e sociedade colocaria como alternativa, a configuração de outro governo Bolsonaro em paralelo ao crescimento da movimentação de sua destituição.

Mesmo com a difícil operacionalidade, a base de um segundo governo Bolsonaro encontra-se em curso na forma de quatro movimentos na sequência identificados. O primeiro relacionado à alteração na base parlamentar, com a troca da antiga referência partidária conservadora que concedia maioria ao governo FHC (DEM e PSDB) pelo ecletismo pragmático das legendas sustentadoras de Sarney e Collor (autodenominado Centrão).

Com isso, Bolsonaro espera poder evitar o avanço de um ou mais processos de impeachment. Aliás, a instalação de um daqueles pedidos de impedimentos que se encontram na mesa do presidente da Câmara dos Deputados, sem suficiente maioria parlamentar, não somente poderia frustrar a oposição, como retirar o próprio governo da UTI.

O segundo movimento encontra-se na mudança da base social do bolsonarismo. O vazio deixado pelo desembarque da parcela de apoio dos ricos e classes médias proprietárias dos pequenos e médios negócios lavajatistas está sendo ocupado pela positividade do avanço sobre os descamisados de Collore a nova classe média de Dilma.

Em três atos, o governo Bolsonaro promoveu verdadeira reviravolta aparente na política de garantia de renda até então existente. Com os programas emergenciais do governo federal, quase 70 milhões de brasileiros, o que equivale a 2/3 da atual população economicamente ativa (102 milhões de brasileiros), estão sendo beneficiados com alguma garantia de renda, cuja somatória de recursos representa quase 8% do total da renda anual do trabalho no Brasil.

Além de incorporar 1,2 milhão novos beneficiários ao Programa Bolsa Família, foi instituído o auxílio temporário aos brasileiros em situação de vulnerabilidade social, inicialmente por três meses, no valor mensal de R$ 600,00, para cada pessoa elegível, sendo possível acumular até dois benefícios por família. Até o mês de junho, 58,6 milhões de pessoas havia sido atendidas (91,5% do total de trabalhadores sem contrato de trabalho assalariado formal), sendo 50,7% advindos dos cadastros já existentes do programa Bolsa Família e 49,3% recentemente selecionados pela Caixa Econômica Federal.

Com isso, 95% dos 14,2 milhões já beneficiados pelo programa Bolsa Família tiveram multiplicado por três vezes o valor médio recebido mensalmente desde abril de 2020 ao serem incluídos no auxílio emergencial. Os outros 44,4 milhões de novos beneficiados pelo mesmo programa receberam, pela primeira vez, uma transferência de recursos do governo federal.

Além disso, entrou em vigor o benefício emergencial para o empregado formal submetido à suspensão contratual por 60 dias ou à redução da jornada de trabalho por 90 dias. O valor definido pelo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e de Renda fundamenta-se nas regras do seguro-desemprego, com base na média da remuneração dos últimos três salários recebidos, atendendo em junho a 9,7 milhões de empregados com carteira de trabalho assinada (28,7% do total do emprego formal pertencente ao setor privado).

O terceiro movimento possivelmente constitutivo do segundo governo Bolsonaro corresponde à reinstalação da programação econômica visando estabelecer algum rumo de recuperação para a combalida economia brasileira. Outrora o todo poderoso P. Guedes pode até permanecer ministro, talvez na condição de frentista do posto Ipiranga, desde que compreenda que a força verde-oliva organiza novo arranjo econômico nos moldes do antigo PAC de Lula.

Por fim, o quarto movimento assentado na organização do partido da extrema-direita. Para tanto, os esforços de conexão das bases sociais vinculadas ao fanatismo religioso e ao armamentismo das forças de segurança pública e privada.

Nesse sentido, dois aspectos chamam a atenção. O primeiro relacionado às alterações recentes no Ministério da Justiça, especialmente na Polícia Federal, e o segundo na recriação do Ministério de Comunicação, com a reorganização do gabinete do ódio. Com isso, parece estar em curso a convergência almejada entre as ações de inteligência e repressão provenientes da segurança pública e privada com as tarefas de massificação da informação e comunicação das forças do fanatismo religioso com as do armamentismo.

Tal como na ditadura civil-militar implementada em 1964 que demorou quatro anos para o fechamento pleno da democracia (AI em 1968), o golpe parlamentar instalado em 2016 aproxima-se do derradeiro desfecho das instituições democráticas. Sem isso, todavia, o segundo governo Bolsonaro não se constitui efetivamente.