A universidade é espaço de geração e transmissão de conhecimento teórico, experimental e empírico. Pessoas de diferentes áreas de conhecimento, com biografias, formações, identidades e interesses diversos participam nesse esforço coletivo. É desejo da sociedade e função da comunidade universitária propor soluções criativas, mistas e inclusivas para seguir com as atividades de ensino, aprendizagem e avaliação frente às limitações impostas pela Covid-19.

A pandemia impõe novos contornos a nossas formas de interação social e de deslocamento. A preocupação em não propagar o vírus, diminuindo o contágio e consequentemente, a pressão sobre sistemas de saúde e a redução de traumas familiares, impõe restrições. Algumas irão se reduzir com o tempo e conforme aprendermos a conviver com o vírus, adotando cuidados e práticas de higiene mais contundentes, outras não. Em nosso horizonte, está a possibilidade de novos surtos e as soluções ao distanciamento social precisarão se consolidar.

É verdade que a população estudantil é composta majoritariamente por jovens nascidos na era digital, mas são também frutos da desigualdade que produz perfis socioeconômicos muito distintos. Assim, se por um lado a grande maioria desses jovens é capaz de empregar as ferramentas do mundo digital com maestria, por outro, muitos não têm acesso a elas em suas residências. Além disso, os diversos processos de democratização do acesso diversificaram o alunado universitário, não apenas no que se refere a estratos sociais, mas também a faixas etárias, localidades de moradia e experiências formativas. Quanto aos docentes de nossas universidades, não são somente de diferentes áreas, com convicções e interesses diversos, mas têm também diferentes idades e proficiências com as ferramentas digitais. Essa diversidade demanda diferentes formas de participação na vida acadêmica enquanto convivermos com a Covid-19.

O foco desse artigo é nas ações especificamente voltadas às atividades de ensino. Porém, é fundamental ressaltar a importância também do investimento em pesquisas já em andamento e em novos projetos que emerjam dos questionamentos e efeitos produzidos pela epidemia sobre as sociedades contemporâneas.

Surgem notícias de universidades pelo Brasil e pelo mundo adotando exclusivamente o ensino a distância, via ferramentas digitais, videoaulas e afins, para prosseguir com as atividades e contornar os efeitos da Covid-19. Esse é um caminho a seguir? Sim, mas não parece ser o único nem tampouco suficiente. A universidade precisa atuar de forma inclusiva. A inclusão, como pauta do fim do século XX e início do século XXI, precisa ir além. Precisamos empregar soluções mistas, de arranjos mais complexos para superar as limitações impostas pela Covid-19 a nossas atividades de ensino, aprendizagem e avaliação.

Em geral, vemos a migração para aulas por vídeo digital como uma simples extensão das presenciais. Os processos de ensino online requerem desenhos pedagógicos próprios, organização temporal e produção de materiais didáticos específicos. Os arranjos de forma e conteúdo dependem de quem ensina e de quem aprende, da área, do conteúdo específico, da familiaridade com as ferramentas digitais, do ambiente em que se está, entre outras coisas.

Além disso, as interações não verbais e não explícitas, comuns em salas de aula presenciais, são impossíveis no ambiente virtual. Mas, há no ambiente virtual, outras formas de interação. Quem já se aventurou a lecionar através de videoaulas é consciente do esforço extra necessário para a preparação do roteiro, do material e para pensar as possíveis perguntas e inquietudes dos alunos de antemão. E, ainda, o cuidado com a edição correta e de qualidade do material. Isso é necessário tanto quando se usa ferramentas de encontro síncrono (salas de bate-papo ou de encontro virtual com todos presentes ao mesmo tempo) quanto assíncrono (conteúdo gravado previamente e disponibilizado para ser assistido no tempo de cada um).

Entretanto, se por um lado, as ações virtuais exigem um esforço e adaptação de professores e estudantes, por outro elas permitem continuidade a processos de ensino e aprendizagem fundamentais em qualquer tempo e ainda mais em períodos de crise sanitária e humanitária. E, mais do que isso, permite que conectemos os conhecimentos histórica e culturalmente acumulados e socializados nos cursos de graduação e pós-graduação com o conhecimento produzido pela urgência do presente e das experiências empreendidas por estudantes e docentes no enfrentamento aos contingentes diários da pandemia.

Uma vez reaberta a universidade à presença de todos novamente, as ferramentas digitais não só podem como devem ser empregadas conjuntamente às aulas presencias. Só assim poderemos incluir aqueles que não podem se deslocar à universidade por preocupações com o contágio de si ou de algum parente de maior risco com que conviva – caso muito frequente em nossa sociedade. E, também, porque o virtual é parte desta vida em sociedade e não deve estar alijado dos processos acadêmicos cotidianos.

Porém, a heterogeneidade do alunado pode inviabilizar o acesso a meios que permitam videoaulas digitais tanto síncronas como assíncronas. Diversas universidades têm considerado esse aspecto como irrelevante e migrado para o ensino via internet, transferindo a responsabilidade de encontrar os meios (computadores e acesso à rede) aos alunos. Outras têm se organizado para prover o acesso à rede e equipamentos aos economicamente hipossuficientes para que possam participar “igualmente” dessa modalidade de ensino e aprendizagem. Enquanto um terceiro grupo advoga que o perfil socioeconômico heterogêneo de seus alunos não lhe permite adotar esse caminho.

Por certo, não há um caminho único que atenda a todos. A educação a distância não começou com a internet, nem são as videoaulas hoje o único meio de fazê-la – pesquisadores e a literatura de ficção têm oferecido diferentes visões futuristas imersivas para o processo educativo. Aulas expositivas também não são a única forma de ensino e menos ainda de aprendizagem. Assim, temos que encontrar como usar as diversas formas de educação e os diversos meios de comunicação existentes para oferecer soluções inclusivas, produzindo formas de interação tanto síncronas quanto assíncronas.

O síncrono tem o potencial do encontro tecnologicamente mediado; contudo, para públicos com dificuldades de acesso à internet, sem espaços adequados nas moradias, que estejam trabalhando ou com horários da vida transtornados pelas demandas extras da Covid-19, é mais difícil de realizar e não pode, portanto, ser a única forma de ação. O assíncrono tem uma dificuldade de interação própria, do descompasso com o tempo real, mas é o que traz a liberdade para escolher os horários mais adequados a cada um dos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.

O material digital pode ser distribuído usando diferentes meios físicos (via transmissão, memórias digitais e até via papel, em casos excepcionais). É preciso abandonar, em definitivo, a ideia de saída única, plataforma única, ação única. Há que se conjugar plataformas digitais – enfrentando a mercantilização e investindo em recursos abertos, softwares livres e plataformas públicas para videoaulas e compartilhamento de materiais diversos. Mas, também, é preciso pensar na distribuição física de material quando for o caso. Isso permite aproximar, através das múltiplas formas, aqueles que não possuem todos os recursos digitais necessários ou não os dominam integralmente.

Quanto às tecnologias, temos que realizar um esforço para usar todas as possíveis. É preciso explorar o potencial da TV digital e sua capacidade inata de transmitir conteúdos montando grades de programas educativos e videoaulas veiculados em diferentes horários, formatos, linguagens e conteúdos. O rádio igualmente segue sendo ferramenta de grande alcance, seja por radiodifusão ou pelas formas contemporâneas via podcasts transmitidos pela internet que demandam menor taxa de dados que as transmissões usando imagens.

Outra questão central para o debate sobre uso de estratégias remotas de ensino se refere às avaliações de aprendizagem. É questão fundamental nos processos formativos e não podemos ignorá-la se pretendemos construir uma universidade operacional e inclusiva em tempos de Covid-19. Teremos que aumentar a confiança mútua entre docentes e estudantes. Alguns professores bem como os estatutos universitários exigem avaliações individuais e presenciais. Este talvez seja o calcanhar de Aquiles para a adoção de estratégias múltiplas e mistas de ensino e aprendizagem numa mesma disciplina, num mesmo curso e numa mesma universidade. Mas o desafio de construir formas alternativas de avaliar é igualmente desejável nestes tempos.

Avaliações à distância podem ser síncronas – com dinâmica similar às empregadas em salas de aula presenciais – ou assíncronas – semelhantes aos trabalhos feitos fora de sala de aula e entregues em data específica. Assim como para a transmissão de conteúdos e interações com estudantes é preciso usar múltiplos recursos, também para processos avaliativos é preciso considerar formas e conteúdos variados. Trabalhos individuais, produções coletivas, construção de soluções práticas a problemas específicos das muitas áreas do conhecimento e disciplinas, articulações interdisciplinares, encontros online para conversas avaliativas em torno de pontos pré-determinados, as possibilidades são múltiplas. E, além das muitas alternativas online ainda se pode planejar provas presenciais quando o retorno for possível, para grupos limitados.

Urge implementar uma universidade inclusiva em tempos de Covid-19. O emprego de formas múltiplas de ensino, aprendizagem e avaliação exigirá um esforço maior da comunidade universitária. A atribuição de presença e o uso de formas mistas do processo educacional requerem suporte legal, regimental ou estatutário e também infraestrutural e de suporte técnico. Não é pouco o que temos diante de nós. Entretanto, não podemos ignorar a necessidade dessas mudanças. Elas contribuirão para a redução dos impactos da Covid-19 na vida das pessoas, em seus projetos e na economia. Por um longo tempo, teremos um “novo normal” e só incorporando as mudanças, a universidade poderá continuar a cumprir a sua missão e seu papel com a sociedade.