
Silas é homem de bem. Engenheiro formado. Melhor que muita gente. Melhor que todo mundo. Tem resposta pra tudo. Sabe de tudo. Não acredita em nada que não venha de sua cabeça ou de seu celular, espécie de puxadinho da cabeça.
Cristão convicto, cita textos do Velho Testamento inventados a partir do que se lembra. De senso prático, como bom engenheiro, aplica suas ideias de fé no julgamento do cotidiano alheio.
“Conheceis a verdade e a verdade vos libertará!” Recita como um alerta de Deus sobre a conspiração comunista. Plano diabólico para dominar através da televisão, dos jornais, dos cientistas, dos professores, dos livros, dos filmes, das artes, da poesia…
Defensor incondicional da família. Expulsou de casa o filho viado, mas não sem antes dar-lhe um corretivo de quebrar costelas. Sobrou também para a esposa, culpada pelo filho ter escolhido amar outro homem.
Com tanta violência neste país, queria muito uma arma. Sonhava com o dia em que meteria três pipocos num desses bandidinhos. E só de pensar nisso, se animava em visitar a amante.
Andava deprimido. O país parecia enlouquecido. Pra todo lado um papo besta de respeitar as minorias. Pobres, pretos, mulheres, gays, índios. E ele? Branco, quem o defenderia? Pra todo lado, inversão de valores. Bolsa família para gente preguiçosa. Bolsa bandido para preso. Corrupção. Tudo isso pago com o dinheiro dele, dizia. Por isso, sonegava impostos.
Empregado, viu sua empresa crescer e cortar custos demitindo gente velha de 40 anos. Mas isso não era com ele, que só tinha 35.
Pra resolver tudo neste país, só matando bandidos e políticos. Acha que só os militares podem dar jeito porque só eles têm as armas mais poderosas. No tempo deles é que era bom! Diz com saudades de um tempo que não viveu.
Encheu-se de esperanças nas eleições de 2018. Finalmente o país parecia ter acordado para todos os absurdos. De verde e amarelo, protestou contra tudo isso que está aí. Nas ruas e nas redes, fez campanha para seu candidato ameaçando quem pensasse diferente.
Quando veio a pandemia, ficou em casa. Teve medo no começo, mas só no começo. Logo percebeu que era mais uma conspiração para afastar o Brasil de Jesus. Mesmo assim, ficou em casa. Firma e bares fechados, amante doente, não tinha para onde ir.
O vazio dos dias lhe doía. Pensava, porque pensar era só o que tinha pra fazer, mas isso o irritava. O corte de salário irritava. A esposa irritava. Não ter uma arma irritava.
Quando os bares abriram, correu satisfeito. Sem máscara, aglomerou-se. Estava gripado, nada grave. Disseram que poderia ser o tal vírus. Que daquele jeito poderia até matar alguém. Ouviu isso pensando na arma que não tinha e na cusparada que daria na cara do fiscal que lhe viesse estragar a noite.






