Não sou vegetariano, mas entendo e respeito sua moral. Sei que um animal sofreu para que o churrasco fosse possível. Como não evoluí ao ponto de deixar de comer carne, o máximo de forças que possuo para me aproximar da moral vegetariana é respeitar o churrasco.

O ponto da carne, a suculência e o tempero são, para mim, uma questão ética. Uma carne esturricada, mal cortada e malfeita é uma indignidade. Desrespeito ao bovino que sacrificou a sua vida pelo nosso almoço.

Foi essa preocupação que me afastou da televisão. O jogo já havia começado. Galvão Bueno empolgado como… Bem, como ele mesmo. Brasil era favorito, diziam os expertos em futebol. Seus saberes práticos, estatísticos, históricos e místicos não deixavam dúvidas de que mais uma vitória estava a caminho.

Se na TV, tudo prometia dar certo, na churrasqueira anunciava-se uma catástrofe. Carnes maltratadas por um churrasqueiro amador e bêbado que há instantes demonstrara dificuldades em distinguir picanha de fraldinha.

Era preciso agir. A dignidade do sacrifício bovino estava em jogo. Peguei o espeto e cortei finos pedaços da peça de picanha mal enconchada no espeto. Estava naquele ponto malpassado perfeito. Um minuto a mais e a suculência já era.

Quando voltei à sala, o clima não era dos melhores. Um a zero para a Alemanha. Tudo bem. Um vacilo. Tem muito jogo ainda. Nada que pudesse atrapalhar o bolão, no qual eu cravei um tímido mas patriótico dois a um. Dava pra tomar uma cerveja e tirar o sal da boca.

– Ainda estão passando o replay do gol da Alemanha? – Perguntei quando finalmente voltei para a sala e tomei com ânimo definitivo meu quinhão de sofá.

– Não. É outro gol da Alemanha.

– Dois a zero! – Perguntei, preocupado com o bolão.

– Não. Três a zero.

– Oi?!

Deu no que deu. Sete a um. Humilhação para despertar nosso complexo de vira-latas. Ele nem dormia profundamente, apenas cochilava com um ufanismo econômico embalado por um tal de pré-sal que garantiria estrada pavimentada para um futuro glorioso e rico.

Ao invés de glória e riqueza, tivemos corrupção espetacular, crise econômica, moral, outra crise econômica, ambiental, sanitária e nova crise econômica. Uma sucessão de fracassos colossais. Como nação, como povo e como humanidade.

Li muito tentando entender o que deu errado. Não a história de cada erro, mas o porquê da sequência ladeira a baixo. Li economistas, que sempre alertam para riscos e apontam indicadores positivos – que não sei bem o que significam. Li historiadores que comparam e filósofos que conceituam. Nada me pareceu suficiente para entender a tragédia nacional.

Na falta de explicação, tenho ao menos uma pista. Aquele sete a um. Em algum momento, em algum pedaço de instante entre uma TV ligada e um corte de picanha malpassada algo aconteceu. Não sei onde. Não sei porque. Só sei o quando.

Foi ali, naquele dia. Sob os lamentos de Galvão Bueno que algum cristal se quebrou, o encanto acabou e o futuro se perdeu.