
O susto do gato foi enorme quando o cão, num salto, abocanhou-lhe o rabo. Despencou do galho alto de forma desajeitada e aos miados estridentes. Com os dentes firmemente cravados no rabo do gato, o cão flutuava rumo ao chão de forma ainda mais desengonçada que sua presa.
Gatos sempre caem em pé, mas somente quando não tem um cão enorme lhes puxando o rabo durante a queda. Já os cães, estes caem como podem. E podem pouco quando sua atenção está mais na presa do que na queda. Estatelaram-se no chão pedregoso, fazendo aquele som oco dos encontrões violentos.
Involuntário latido libertou o rabo do gato. Inutilmente. Com a queda de mal jeito, cão e gato mal conseguiam se arrastar. Confusos, tentaram sair dali sem saber muito bem para onde ir. Como a dor era grande, desistiram.
Ficaram ali. Caídos, emparelhados, ensanguentados e silenciosos. Se entreolharam brevemente. Talvez, se a troca de olhares continuasse, pudesse surgir entre estes dois inimigos alguma empatia, mas uma figura estranha surgiu entre eles como que vinda do nada, bloqueando a visão do outro.
Uma criatura que nem cão, nem gato jamais tinham visto. Sequer saberiam dizer se era mamífero, ave ou réptil. Apesar disso, era grande e magnífica. De olhar profundo e doce ao mesmo tempo, parecia exalar paz e compaixão.
Com gestos lentos e delicados, a criatura tocou o gato e o cão, fazendo com que as feridas e dores de ambos desaparecessem magicamente. Estavam incrédulos e felizes com aquele milagre!
Por um breve instante, entreolharam-se novamente com olhar de amizade e compaixão. Mas as ideias lhes ocorriam ainda confusas.
Ambos aprenderam com seus líderes e companheiros que quem ajuda o inimigo, inimigo é. Pouco importa o que tenha feito ou o porquê. Aliás, deixaram de se perguntar o porquê de outro fazer ou deixar de fazer alguma coisa há muito tempo. Não querem saber das diferenças, nem mesmo entre os de sua própria espécie. Aprenderam que quem pensa diferente da matilha ou gataria é aliado do inimigo e deveriam ser ameaçados, calados, agredidos ou mortos.
O cultivo do ódio entre eles começou como repulsa pela espécie diferente. Com o tempo, tornou-se afeto dominante. Seus alfas deixaram de ser os mais fortes e passaram a ser os mais barulhentos e covardes incitadores do ódio. Contra os da mesma espécie ou não. Adulto ou filhote. Não importa. O ódio está acima de tudo e os covardes acima de todos.
O vazio da falta de respostas sobre o que era a criatura foi preenchido pelo ódio. Ambos desconfiaram que se tratava de uma armadilha. Elemento de uma conspiração. Ganhar-lhes a simpatia apenas para destruí-los depois. Coisa ardilosa daqueles bichos que querem do mundo uma bagunça cheia de respeito e harmonia.
Saltaram sobre a criatura quase ao mesmo tempo. Em poucos minutos, estava completamente esfacelada por dentadas, unhadas e patadas violentas.
Olharam-se novamente com ódio ancestral. O Gato, ainda cansado, alcançou um galho e surpreendeu-se quando o cão, num salto, abocanhou-lhe o rabo…






