A divulgação no primeiro dia de setembro dos números do PIB brasileiro para o segundo trimestre do ano de 2020, com um recuo inédito de 9,7% em relação ao trimestre anterior, e de 11,4% em relação a um ano antes, chamou a atenção dos analistas para algumas coisas que às vezes ficam escondidas pelo discurso oficial.

Em primeiro lugar, vale observar a revisão feita nos números do IBGE para o primeiro trimestre do ano, o imediatamente anterior ao da vigorosa marcha à ré da Covid-19 e do isolamento social, que ficou caracterizada no segundo trimestre do ano. O IBGE revisou os números daquele período, de um recuo de 1,5% para um recuo ainda mais agudo, de 2,5%. O primeiro número já servia para alertar que, longe da “decolagem” avaliada pelo ministro da Economia Paulo Guedes, a economia já se encontrava em um mergulho acentuado da produção. Sem a revisão, a decolagem já tinha virado queda. Com a revisão, virou tombo.

Olhando por setores, o segundo trimestre de 2020 não apresentou novidades. Enquanto os serviços caíam na mesma proporção do PIB (9,7%), a indústria despencava -12,3%, ou seja, na crise a chamada desindustrialização continua. A agropecuária, que tinha avançado 0,6% no primeiro trimestre do ano, avança agora 0,4%, ou seja, uma dinâmica melhor do que os outros dois setores, mas sem condições de frear a queda do PIB trimestral.

Visto pela ótica da demanda, o consumo das famílias, que explica mais de 2/3 do PIB, recuou 12,5%, e o investimento, que normalmente é o que dá a dinâmica do processo, recuou 15,4%. O consumo do governo recuou 8,8%, apesar do aumento dos gastos no período com saúde – ou talvez por esse aumento não tenha caído tanto. Por outro lado, na área do setor externo, enquanto as importações recuaram 13,2%, as exportações aumentaram modestos 1,8%, resultado insuficiente para alavancar a economia nacional, em especial uma economia grande como a brasileira, na qual o setor externo por si só é incapaz de gerar dinamismo.

De qualquer forma, além da explicitação do recuo, fica evidente, combinando os números, que a agropecuária exportadora é o único setor que vai passando de fininho pela crise de gigantescas proporções que se abate sobre a economia nacional. Positivo, não é?

Talvez não. Como estamos vendo nesse momento, quando começam a ser divulgados números da subida dos preços, a avidez do agronegócio pelo setor externo, a desvalorização do real frente às moedas internacionais, que vinha desde o fim do ano passado e incentiva as exportações pelo barateamento dos preços dos produtos exportados em dólar, e o programa de auxílio emergencial possibilitando aos mais pobres ir com mais sede ao pote do consumo de alimentos, têm proporcionado o espaço para a subida dos preços dos alimentos. Isso porque os produtores fixam seus preços pelo mercado externo, e a renda emergencial acaba sancionando os movimentos de aumento de preços dos produtos aqui dentro, e a recomposição das margens de lucros dos intermediários e distribuidores, como os supermercados.

Ou seja, adentramos rapidamente o pior dos mundos, com recessão e subida de preços ao mesmo tempo.

E a sinalização para a frente não é das melhores. Aparentemente, os resultados do PIB só não foram piores por conta de pelo menos três fatores. De um lado, o auxílio emergencial foi afinal definido pelo Congresso em um nível (R$ 600,00) em que de fato pode ser chamado de um auxílio, e não de uma esmola, e teve algum impacto sobre o consumo.

De outro lado, o dinamismo do setor externo deu afinal algum fôlego, embora pequeno. E, um terceiro elemento, a ampliação de gastos por conta da pandemia, em especial nos níveis subnacionais (estados e municípios), mas com apoio federal, representou um aumento de gastos meio exótico, uma política keynesiana implementada por um governo que se afirma e reafirma radicalmente liberal, mas que evidentemente anestesiou a dor de uma crise mais aguda.

A má notícia é que desses, deve sobrar apenas o dinamismo do setor externo (o que é sempre uma aposta, em um mundo convulsionado pelo duelo de gigantes entre China e EUA) – que é, como já dito aqui, insuficiente para alavancar o crescimento de uma economia como a brasileira. O governo federal está tratando de reduzir, e posteriormente eliminar, o auxílio emergencial (o que ainda pode ser alterado pelo Congresso), e o posicionamento do Ministério da Fazenda na defesa do teto de gastos implica uma dramática redução do gasto público, um ajuste absolutamente selvagem se levado a cabo.

Nesse quadro, a “recuperação em V” do ministro Paulo Guedes deve cair no rol de frases retóricas do ministro, como a ideia da decolagem do crescimento, a venda de imóveis públicos que zeraria o déficit público, ou a chegada massiva de investimentos internacionais no país.

A continuar nesse rumo, a economia brasileira deve continuar crescendo – mas para baixo, como rabo de cavalo…