Nas duas últimas décadas do século passado, as decisões dos governos Figueiredo (1979-1985) e Fernandos (Collor, 1990-1992 e Cardoso, 1995-2002) alteraram substancialmente o papel do Brasil na divisão internacional do trabalho. Entre as décadas de 1930 e 1980, quando o país se distanciou da herança colonial dependente do comércio externo alimentado pelos ciclos econômicos primário-exportadores (pau-brasil, açúcar, ouro e café), a economia tornou-se urbana e industrial exportadora de bens manufaturados na divisão internacional do trabalho.
Diante do endividamento externo provocado pelas opções de financiamento adotadas pela ditadura civil-militar (1965-1985), o governo Figueiredo decidiu pela submissão de sua política econômica e social aos ditames do Fundo Monetário Internacional, provocando a primeira recessão (1981-1983) desde 1930. A proposta era enfraquecer o mercado interno e reorientar a produção nacional para o comércio externo, fonte de divisas fundamentais para o pagamento do endividamento externo.
O ajuste trouxe consequências gravíssimas, que se estenderam por todo ciclo político da Nova República. A primeira consequência foi o aprisionamento da política econômica e social aos saldos positivos no comércio internacional. O pagamento da dívida externa entre 1984 e 2007 provocou uma transferência ao exterior, em média, cerca de 3% do Produto Interno Bruto ao ano.
A segunda consequência foi a estagnação da renda per capita, ocasionada pelas políticas monetárias de juros reais elevados e pelo aumento da carga tributária sobre os pobres e segmentos de renda intermediários. E, não menos importante, foram os efeitos devastadores da superinflação, especialmente sobre a renda e sua distribuição, que perdurou até o governo Itamar Franco (1992-1994).
A partir de 1990, o receituário neoliberal se mostrou fundamental para gerar as condições necessárias de consolidação do reposicionamento brasileiro na divisão internacional do trabalho, em direção à economia dependente do latifúndio primário-exportador. Para isso, os governos dos Fernandos forçaram a inserção passiva e subordinada do país à globalização, cujas políticas econômicas terminaram inviabilizando a presença nacional nas cadeias globais de valor que não fossem no modelo fazendão.
Em outras palavras, foi gerado um processo de desindustrialização ancorado nas decisões políticas irresponsáveis de abertura financeira, comercial, produtiva e tecnológica, que provocaram uma dependência externa cada vez mais assentada na necessidade de exportação de produtos primários e importação dos bens manufaturados e de maior valor agregado, sobretudo para atender o consumo do andar de cima da sociedade.
O retorno da dominância dos exportadores no comando do país não ocorreu apenas na orientação da política econômica e ambiental, mas eles passaram a disputar o poder com o rentismo. O patronato do agronegócio solidificou uma maioria no poder legislativo, formou uma sólida bancada de deputados e senadores dóceis às demandas por subsídios, desonerações, anistias e isenções fiscais. Além de pressionar o endividamento público, a bancada ruralista é um agente importante para as frequentes alterações no código florestal, liberação de agrotóxicos, importação subsidiada de insumos, apropriação de organismos governamentais de monitoramento e controle da degradação ambiental e extrativismo mineral e vegetal.
Não sem motivo, o modelo fazendão reposicionou o Brasil na divisão internacional do trabalho neste primeiro quartel do século XXI. O comércio externo, ao invés do mercado interno, tornou-se estratégico, esvaziando a soberania do país para decidir internamente seu futuro. O país ficou cada vez mais dependente das decisões tomadas de fora, o que levou ao desmonte das políticas públicas voltadas para inclusão produtiva e social, e trouxe as reformas para retirar direitos e reduzir custos do trabalho e de produção. Exportar é o que importa, foi o lema inaugurado no final do governo civil-militar.
Os governos pós-golpe de Estado de 2016 continuaram o desmonte, ou como disse o ministro da destruição ambiental, não há mistério para passar a boiada. O modelo fazendão se tornou realidade, com todas as consequências da barbárie em curso.