Uma piada é boa tanto para rir como para conhecer a condição humana. A piada une beleza e verdade, Dionísio e Apolo, emoção e razão, e ao provocar o riso expressa um desejo inconsciente. Já o historiador Robert Darnton escreveu que a piada é a entrada para conhecer um sistema cultural, pois as piadas contadas no passado são uma das portas para conhecer a sociedade. Freud, marcado pelas piadas judaicas e o romantismo alemão, escreveu o livro “A piada e sua relação com o inconsciente”, no qual concluiu que a piada é a mais social das formações do inconsciente. O mundo psicanalítico tem mais graça quando retoma o caminho da piada e do humor, e talvez a pandemia esteja abrindo a janela da leveza na nossa psique.

A Psicanálise e a Filosofia têm dificuldade em aceitar a relevância do gracejo, ao contrário de Montaigne. Nos seus “Ensaios”, escreve sobre os filósofos gregos Demócrito e Heráclito, em que o primeiro achava que a condição humana era vã e ridícula, e logo ria, e o segundo andava triste, com lágrimas nos olhos por piedade. Montaigne conclui que o riso expressa o desdém, uma crítica à condição humana; o riso é também um alívio, lava a alma, como diz um ditado ídiche: “O que o sabão é para o corpo, o riso é para alma”.

O que é, afinal, uma piada? A piada revela algo oculto, escondido, é breve, com final surpreendente, engraçado. Freud a define como a mais social das operações anímicas, busca ganhar prazer, é um jogo desenvolvido. Um exemplo é a do pedinte (em ídiche, “Schnorrer”), que pede ao rico barão uma ajuda para viajar a Ostende por recomendação médica. “Bem, darei algo, mas é preciso que viaje a Ostende, o mais caro dos balneários?”. “Senhor barão, em se tratando de minha saúde, nada me parece muito caro”. A resposta do pedinte foi dada do ponto de vista de um homem rico, como se o dinheiro e a saúde fossem de um mesmo homem. A piada precisa de terceiro, pois um conta a outro e se referem a um terceiro, daí que é a mais social das funções anímicas.

Voltaire disse que os céus deram a esperança e o sono para compensar as vicissitudes da vida, e Kant escreveu que poderia acrescentar o riso como um ato de razão. Em sua “Crítica da faculdade do juízo”, assegura que na piada se inicia o jogo de pensamentos, que mexem também com o corpo, dando uma sensação de bem-estar e saúde. A piada, desde a psicanálise, é uma formação do inconsciente, que ao liberar desejos, agressivos ou eróticos, gera um ganho de prazer, pela economia de um gasto de sentimento. Agora, um alerta para quem gosta de contar piadas: de preferência, não anuncie que contará uma piada, pois só o ouvinte poderá confirmar com seu riso se o que escutou foi uma piada. O mesmo ocorre na clínica psicanalítica, pois só o analisando poderá expressar se o que disse o analista tocou ou não sua alma.

A piada é interessante porque é feita com palavras, e seu efeito depende exclusivamente das palavras. A piada é uma das formas em que o humor se manifesta, tanto que o famoso ensaio sobre “Humor” escrito por Freud em 1927 começa com uma piada sobre a morte. Nesse ano de pandemia com milhares e milhares de mortos, o humor, as piadas aumentam. A última capa da revista “Time” é um exemplo, pois é toda vermelha com dezenas de coronavírus caindo em cima da Casa Branca. Trump está ameaçado de perder as eleições americanas, pois desprezou a pandemia, não usava máscara, e nunca teve empatia com as famílias dos mortos. Aqui o presidente seguiu o mesmo caminho de indiferença, aparecendo em público sem máscara, e gozando o medo de contaminação como histeria. Aqui hoje imperam as mentiras diárias tão usadas pelos Ministérios de Propaganda das ditaduras: a última piada foi que não há mais corrupção!