A água desceu amarga pela garganta seca de apreensão. Jair acompanhava de corpo presente o vai e vem de opiniões sobre o que fazer. De coração apertado, ouvia, mas não escutava. Sua mente estava longe. Perdida na lembrança daquela pele laranja.

Dormiu pouco e no pouco dormido não descansou. Sonhos intranquilos o fizeram acordar suado. Bebeu mais um gole de água, que ainda descia amarga. Conferiu novamente os números. Ainda favorável aos que querem separá-los. Há muito que, lá e cá, há quem não aprove o seu amor.

Amar é verbo intransitivo. Quem ama, ama sem porquê e sem para quê. Ama e mais nada. Porque para além do amor, não há nada que importe. Mas gente que não ama do jeito que Jair ama se importa com o amor dos outros. E se importa muito. Faz piada. Agride nas redes. Gente que não tolera o amor alheio. Talvez, por não entendê-lo. Ou, quem sabe, por nunca ter sentido algo assim, tão puro.

Jair sente que seu amor por Donald é a verdade que o libertou de uma vida sem projeto, rumo ou propósito. Amor de sintonia. De acreditarem nas mesmas coisas. E detestarem juntos outras tantas. Amor de submissão, em que o que é de Donald vem primeiro e tudo é de Donald.

Passou o resto da noite em claro. Pensou no topete dourado. Naqueles olhos estreitos que o encaram de cima para baixo. Na cara de mau que sempre faz quando levantava o queixo e, forçando com os lábios um bico de menino mimado, arqueia os cantos da boca para baixo. Surpreendeu-se com uma lágrima solitária que lhe escorria enquanto sorria como um bobo.

Na manhã seguinte, foi trabalhar tarde. Mal chegou e recebeu notícias ruins. Com o corpo febril de cólera e paixão pediu, determinou, exigiu sugestões. Estava disposto a sacrificar as economias, as pessoas, tudo por Donald. Pelo seu Donald, mataria e morreria.

O silêncio era o que mais lhe angustiava. Um telefonema ou um tuíte. Uma palavra de carinho, uma lembrança, um aceno. Qualquer coisa que o fizesse saber que seu Donald pensava nele, no seu Jair, no seu Good Guy. Sentiu raiva e envergonhou-se da raiva que sentiu por sucumbir à carência. Vontade de atenção. Lapso egoísta. Logo ele, Jair, que naquela relação sempre deu sem pedir nada em troca.

Se de lá nada vem, ao menos de cá poderia mandar-lhe um afago. Reafirmar sua lealdade canina. Deu-se um jeito de dizer, nas complicadas linguagens dos homens que estão por cima dos homens, que Jair estaria com Donald até o fim. Fosse o fim qual fosse.

Deitou-se sem sono. Pensou com raiva naquele outro que talvez ocupe a casa de Donald. Teria quase tudo que hoje é de Donald. Mas não teria o amor de Jair. Este amor, jamais!

Aguardou o sono acalentando a esperança de que Donald faria de tudo para continuar seu. De que nem mesmo a vontade de um país inteiro superaria seus desejos mais primitivos.