
Distraído com os próprios pensamentos, queimou a farofa com ovos. O gosto esturricado até que ajudou a espantar o dissabor de comer o mesmo de sempre. Há três dias come farofa com ovos. É o que deu para comprar.
Comilão desde pequeno, o prato minguado é o que mais incomoda Nonato desde que perdeu o emprego. Ao menos tem um alívio no estômago e no espírito aos sábados, dia da feijoada na casa do Pastor Isaías.
O pastor sempre o convida. A ele e outros. Dizem que é um homem de Deus. Ele nega. Diz que é apenas um religioso. Se é de Deus ou não, Nonato não sabe, mas certamente aquela feijoada é divina.
Durante a semana, rotina de procurar emprego. Fila em agências, currículos entregues de porta em porta e uma espera eterna por respostas que nunca vem.
Não desanima, apesar de tudo. Logo no primeiro mês, a esposa o deixou. Foi morar com um assalariado. Aos poucos, foi vendendo o pouco que tinha para manter alguma dignidade e colocar algo no prato.
Quando vieram as eleições, achou que ouviria dos candidatos algo que desse esperança de conseguir um emprego. Nada. Os assuntos eram outros. Pandemia, falar mal de outro partido ou candidato. Uma ou outra proposta que soava desencaixada da realidade ou da cara de quem a apresentava.
O que mais se ouvia, porém, era os candidatos falarem deles mesmos. Tinha o que se apresentava como amigo, sorridente. O que se dizia pastor e falava com os olhos apertados e as mãos unidas. O militar com corpo duro que falava alto. O policial que só falava em acabar com a bandidagem.
Procurou mais sobre os candidatos e partidos na internet. Um sujeito rico falando que o país era cheio de privilegiados. Que o Estado deveria se basear no mérito e a solução para o desemprego é o empreendedorismo. Nonato entendeu a mensagem: se vira, que o problema é seu.
Outro dizia que a desigualdade e a falta de oportunidades para todos era o problema. Mas não falava nada sobre como resolver isso. Tinha outro que dizia a mesma coisa, e dava explicações. Um papo sobre déficit público, taxa de juros e outras coisas que Isaías não fazia ideia do que eram. A única coisa que ficou clara era o ódio entre os dois sujeitos que falavam a mesma coisa.
Num canal mais bem produzido, viu um debate sobre respeito e dignidade. Debatedor acusava debatedora de ser racista e homofóbica porque ela falou em “esclarecer as coisas” e não usou pronomes neutros. A mulher, que não parecia querer ofender ninguém, se defendia constrangida diante de um debatedor com um ar constante de indignação. Sobre emprego, nada.
Foi votar por obrigação, sem saber em quem e nem porquê. Se tivesse que pegar dois ônibus não iria, seria mais caro que a multa por não votar. Apertou dois números aleatórios só para se livrar logo daquilo e voltou para casa pensando naquela feijoada divina.






