Amaro é boa praça. Faz piada com tudo e com todos. Sem censura alguma. Tem horror ao politicamente correto. Acha que é tudo mimimi. Ou, como prefere: mim, mim, mim, porque acha que é coisa de gente que só quer chamar a atenção.

Ninguém levou a sério quando a filha disse que foi espancada por ele. Trazia na cara a marca da sola do sapato 44 e uns ossos quebrados. Ele disse que ela caiu. Desastrada. Para os amigos, dizia que a filha tropeçou na perna dele. Na terceira perna. Os amigos riam. Amaro é um cara animado.

Quando o assunto é política, gosta de falar sozinho. Não deixa que ninguém que pense diferente fale. Também não deixa falar quem pensa como ele. Com cara de sabichão, discursa em monólogo certezas absolutas sobre coisas que desconhece. Só não discute com o WhatsApp, fonte científica de seus conhecimentos.

Outro dia, um amigo falava de política. Bastou a palavra “sindicato” para Amaro abrir a boca. Tem horror a sindicato. Parasitas preguiçosos e corruptos. Gente que quer se dar bem com o trabalho duro dele. Que não venceu na vida como ele. Que não herdou do pai as padarias como ele.

Grandalhão. Fala alto e com voz grossa. Quase um trovão. Chama os funcionários de suas três padarias pelos apelidos que ele mesmo os dá, aos gritos. “Cheira-Bosta! Traz logo aquele saco de farinha!”. “Nego-Merda, chegou atrasado! Tua mulher te corneou mais uma vez?”. Amaro é muito brincalhão.

Uma vez, esbofeteou com mão grossa a cabeça magra de um padeiro que cochilava. Estourou-lhe o tímpano. Ainda zonzo, pôs-se a correr cambaleante. Nunca mais voltou. Nem para receber o último salario. Amaro dizia que aquele era um frouxo, como todo paraíba. Para ele, todo nordestino é paraíba. Tudo na brincadeira, claro.

Católico fervoroso. Dorme com fervor na missa de domingo. Aos roncos. Na sua fé, orientada por teólogos de WhatsApp, Deus mandou a AIDS para punir os gays, o Ebola para matar pretos. O Coronavírus não existe. Invenção de comunistas ateus para ferrar o Brasil. Sair sem máscara e comprar arma para matar bandidos é sua profissão de fé.

Outro dia caiu um dilúvio. Ruas alagadas e enchentes atravancaram a cidade. Amaro insistiu em abrir as padarias. Deus recompensaria lhe mandando clientes. Por sua bondade.

Os clientes não apareceram. Alguns empregados também não. “O bosta do Tobias disse que a rua dele está alagada, mas Bosta não boia?”. Mandou pelo WhatsApp.

Tobias deu o troco. Muquirana sem-vergonha, babaca e por aí foi. Como sua voz era esquisita, o áudio ficou engraçado. Viralizou. Muitos riram. Virou chacota nacional. Amaro não gostou.

Dias depois, Tobias foi baleado quando saía de casa. Deixaram sobre o corpo ensanguentado um bilhete: “quem ri por último, ri melhor”.

Amaro deu a notícia pessoalmente aos empregados. Assim que voltou da missa. “É com tristeza que recebo a notícia da morte do Tobias, nosso querido Bosta-Boia. Parece que mexeu com quem não devia”. E sorriu. Amaro é realmente muito brincalhão.