Estamos terminando 2020 em um quadro de enormes incertezas. Incertezas sobre a Covid – eficiência da vacina e dimensão e velocidade da vacinação, segunda onda, mutação do vírus –, às quais no Brasil se soma a postura displicente, para dizer o mínimo, do governo Bolsonaro em relação à logística e ao processo da vacinação.

Incertezas em relação ao processo econômico, no qual a crise estrutural pela qual passávamos desde 2015 agora se soma a incertezas fiscais. Como o governo atual lidará com a maior dívida pública da história? E que segue crescendo? O chamado “teto de gastos” vai prevalecer, impedindo que o Estado brasileiro, através de seus gastos, cumpra o papel anticíclico que está sendo desenhado para ele no mundo inteiro? Como o governo vai se relacionar com níveis subnacionais, estados e municípios, que já sinalizaram que aumentarão seus gastos? Como será tratada a questão cambial, diante de um IGP-M, o índice de preços que mais sofre com as variações cambiais, que acumulou mais de 23% no ano de 2020? E as incertezas financeiras, afinal, a taxa de juros básica da SELIC seguirá em seu mais baixo patamar histórico?

Aqui vale a pena também apontar uma disjuntiva importante. De um lado, a taxa de desemprego no trimestre terminado em outubro segue o quadro dos três trimestres anteriores, em torno de 14%, enquanto a pesquisa do Datafolha sobre o tema na segunda semana de dezembro aponta que 57% dos entrevistados dizem que o desemprego vai aumentar. De outro lado, o Índice de Confiança Empresarial (da FGV) recuou mais um mês (agora, recuo estimado de 1,7%, contra recuo de 1,5% no mês anterior). Ou seja, pessimismo de trabalhadores e empresários. Ainda assim, continua em cerca de um terço da população o apoio ao presidente da República.

Essa discussão nos remete ao tema político. O governo Bolsonaro instalado em 2019, na prática, está se esgotando com o processo eleitoral que tivemos para as prefeituras nesse ano de 2020. A disputa política abriu a disputa sucessória de 2022, ou seja, os movimentos a partir daqui se darão em torno do processo eleitoral de 2022, processo para o qual aparentemente o atual presidente sai com um suporte razoavelmente cristalizado, mas com enormes resistências para crescer.

A disputa no Congresso pelas presidências da Câmara e do Senado expressa de antemão essa dificuldade do governo. Terá de enfrentar um bloco formado por parlamentares liberais-democratas, deputados fisiológicos, inclusive alguns que originalmente serviram para sustentação de Bolsonaro (PSL) e pela esquerda, que formalmente se uniram em torno de uma chapa para a disputa da Câmara.

Não há muita fidelidade neste tipo de eleição. Mesmo que uma das chapas venha a aglutinar um maior número de deputados, o sistema de votação permite surpresas.

Independentemente do resultado, o governo terá enormes problemas. Se a chapa que apoia ganhar, terá comprado uma briga com a maioria dos deputados, e terá que administrar por dois anos a animosidade da maioria dos parlamentares. Se o governo perder, perderá o controle da pauta de discussões, o que pode ser uma enorme dificuldade, já que os congressistas, em um quadro em que o Executivo governa menos do que cria fatos políticos, podem assumir de fato as rédeas políticas do país. Vale lembrar o que aconteceu no Governo Dilma, com a eleição de Eduardo Cunha para a presidência da Câmara de Deputados, e a criação das chamadas “pautas-bomba”.

Alguns desses temas (como o das vacinas, a questão orçamentária e fiscal, e a disputa pela presidência da Câmara e do Senado) devem se resolver nos primeiros dois ou três meses do ano, dando a partir daí um quadro mais bem desenhado daquilo que veremos nos meses subsequentes. Assim, o longo e conturbado ano de 2020 na prática deve se encerrar apenas após o primeiro trimestre de 2021.

Todos aguardamos com ansiedade o final de 2020, mas parece que ainda vai demorar alguns meses. Feliz 2021, quando ele finalmente vier.